MAIS PARA FRENTE, MOÇADA!

Se eu fecho um segundo os olhos, e procuro me concentrar,
Consigo ver e escutar, a cobradora Alzira berrar, sentada lá na roleta,
Com olhar de quem não aceita mutreta, dizendo bem de repente,
Pra esquecermos o umbigo da gente, e andarmos mais lá pra frente.
_”Mais para frente moçada! Mais para frente moçada!”
Era assim sua ordenança, sem letra tirar nem por.
Não era “mais PRA frente moçada”, porque o que ela visava era dar uma moral,
Valendo-se para tal de uma frase bem formal.
Mas a culpa era dele, do coletivo. Tinha a entrada no fundão,
Logo em seguida a catraca, e somente bem na frente, uma só porta de saída.
Entrávamos em bando no busão, mandávamos no planeta, vivíamos de veneta,
Então pra que nos mexermos, se já cruzáramos a roleta?
Tínhamos entre doze e dezesseis, no auge da aborrecência, e em fase de contestação.
Manhãs geladas dos anos sessenta, na amada e úmida República de Curitiba,
Quando de ônibus ao colégio se ia, pois findara a infantil mamata,
Tempo feliz em que o papai levava e a mamãe trazia.
Pra se animar ir a pé, só mesmo em gentil companhia, de alguma beldade vizinha,
Toda uniformizadinha, saiote azul tipo canga,
Pernas muito bem torneadas, e imaculadas meinhas.
Podia ser uma gatinha do Divina, uma tetéia do Estadual,
Uma demoiselle do Sacre Coeur ou...por que não, uma hors concours do Sion?
Não...do Sion não se conquista, nas ruas nem ao menos se avista,
Pois para as aulas só vão de Cadillac e motorista.
Mas, deixando o romantismo de lado, o fato é que o destino do piá curitibano,
Era juntar-se aos amigos e, resignado, encarar um suburbano lotado,
E ter de aguentar a cobradora reclamando, no trajeto do bairro ao centro movimentado.
Em cada ponto de parada, ia entrando a piazada, pagando, passando a catraca,
E se acomodando ali mesmo, bem perto da mira da Alzira.
Com mais gente querendo passar, ela é que não iria aceitar os bolsões vazios lá na frente,
E toda gurizada empacada, fazendo muita algazarra e trancando o corredor.
Então, zangada que só ela, se punha de novo a rezar: _”Mais para frente, moçada!”
Claro que ninguém se mexia, concordava ou dizia sim, mas aquela cobrança continuada,
Causava uma culpa sem fim, criando uma atmosfera muito pra lá de ruim.
A alegria já não era a mesma, e a andança não ocorria, porque aquele bando de omissos,
Sofria as exigências da Alzira sem cogitar obedecer.
O máximo que fazíamos era tirar o traseiro de lado, para que um passageiro contrariado,
Pudesse passar, meio apertado, mas sem nos dar encontrão, safanão ou um bom sopapo.
Só que acontece que agora, me bateu tanta saudade do nosso transporte conjunto.
E por tocar nesse assunto, queria muito saber que fim levou a moçada...
Nunca mais vi ninguém, nunca mais pegamos ônibus juntos.
Estariam ainda - esses folgados - empacados na catraca?
Quem sabe cederam aos apelos da Alzira, e foram mais para frente!
Ou...será que já desceram..?
(Marco Esmanhotto)
Marco Esmanhotto
Enviado por Marco Esmanhotto em 21/09/2020
Reeditado em 23/09/2020
Código do texto: T7068498
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