Tudo o que fui

Pedaços de mim marcam os vestígios de uma imagem dilacerada às cinzas e migalhas; refletem a perfeição distorcida amaldiçoada à clarividência vislumbrada de uma ruína.

Em partes miro uma estrutura ainda firme, trabalhada com esmero em cada dimensão, em cada parede cimentada e em cada fragmento de incerta resistência.

Eu fui um abrigo

Não mais que temporário,

Não menos que necessário

Às passagens de visitas,

Hóspedes e estadias

A desfrutarem de minha

Ingênua hospitalidade.

Eu fui um instrumento às exaustões alheias; uma época gradualmente esquecida sobre camadas e mais camadas de ambiguidade cobrindo o tempo em sua devida sepultura de molduras douradas e sépia pincelada.

Com meu espaço despropositado, minha essência abraçando em convicção a conformidade de ser vagamente recordada, parcialmente considerada a ser algo além das coisas efêmeras que pude oferecer.

Minha opacidade

Desmancha e revela

Um interior

Preenchido com vazio,

Ausente de tudo

O que extraí de

Minha preciosidade

Às tuas reverências.

Eu dei tudo o que pude dar; até não poder mais dar. Eu vi a tênue satisfação projetada em seus rostos, em suas falácias cortejadas ao meu coração, ao senso de amor nunca amado, ao simples fato de ser presenteado com uma simpatia além de singular e inventada.

E, meu Deus, como eu sonhei.

Reneguei a realidade em prontidão de abrir meus braços aos seus infinitos de júbilos. Fui escravo de minha liberdade entregue aos seus frios comandos. Eu fui um lugar de suas possessões. Eu fui uma extensão de minhas melhores qualidades, e um esconderijo de limitações e naturalidades.

Foi proveitoso;

Sorri até não poder

Mais sorrir,

Dancei até não poder

Mais dançar,

Chorei até

Não conseguir

Ter a capacidade de chorar.

Eu fui uma filosofia dedicada à tua existência; uma ideia arquitetada às tuas ordens.

E agora você está fundando tua vida nos cuidados de outro abrigo.

Eu fui teu abrigo.

Eu amei, amei, amei...até não poder mais amar.

E hoje não sou mais nada do que eu fui.