MISÉRIA

A miséria é um fracasso da voz interna que grita: não seja mais um a louvar as flores da primavera ou o tormento do amor perdido. Mas não somos todos produtos da desobediência e da falta de comedimento? Então nos vemos todos ilhados por palavras tão mal ajambradas, que envergonham a arte da escrita. Uma sucessão escabrosa de rimas pobres e estruturas deselegantes, preenchendo nossa sanha barroca por adornar espaços onde deveria ser o silêncio, com vozes mediocres, pequenas e sem vida.

As falas medianas são como as senhoras entediadas, ou os jovens em desespero por atenção. Ocupam lugar no espaço de forma constrangedora, impondo que suas massas desagradáveis sejam da atenção de presentes igualmente desinteressantes. Como um velório de gente desconhecida, obriga-se que as condolências sejam dadas, mas sem que um pingo de sentimento se manifeste. Uma lástima que se arrasta por horas perdidas, até que as auto-homenagens sejam satisfeitas pelo aplauso da turba igualmente medíocre.

Assistir ao espetáculo triste da morte da língua, causado pela má fé do artesanato de engenhos sem sofisticação, é matar-se um pouco na fé e no sonho. Pegaram a primavera, e dela fizeram um vadia sem vida. Pegaram o amor, e dele fizeram uma receida de pudim cafona, dos que se servem às não muito interessantes visitas.

Felizmente a poesia é o que ocorre quando existe realmente vida. Quando algum acorde estranho desperta para acasos ou insinuações de um mundo onde nem sempre se habita. Esses momentos passam, e felizmente, não são cristalizados na escrita.

O esquemático da descrição das coisas, certamente não é arte e nem aqui, onde tudo veio parar, é casa da alta interpretação da existência. É tudo como bordado enfadonho que adorna tecidos antigos. De quando a paixão não dava tempo para que jovens declamadoras de dentes crispados, assassinassem a audiência com decoradas fórmulas para causar o tédio.

Mas imitações de Deus que somos, nos iludimos com a arte da eternidade. Mesmo que o eterno seja uma flor vomitada sobre uma poesia que passa, e que nunca mais, para o bem dos dados a afecções estomacais, será lida. O instante não tem beleza nem feiura. Tem de pretensão e altas expectativas. Se passa em silêncio, como convém a funerais e crianças mal educadas, logo será esquecida. Mas se fala com a propriedade da frigidêz das senhoras entediadas, ou com a estupidêz de jovens apaixonados, torna a vontade de morrer menos assustadora que o diabo que habita nas entrelinhas.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 17/10/2020
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