Os filhos da Mãe África

Rasgaram minhas vestes

Colocaram os grilhões

Me amordaçaram

Me colocaram no tronco

Mataram a minha honradez

Mataram os meus sonhos

Tiram do seio de minha mãe

Negaram os meus desejos

Negaram a minha humanidade

Me chicotearam

Por não aceitar a violência moral

Por não aceitar me aprisionar

Fizeram de mim reprodutor

E dela ama de leite

Os grilhões pesavam

O chão era cama

Para repousar o corpo já cansado

Dolorido do trabalho, tão duro

E da chibata

Longe de casa

Longe de meus filhos

Longe de mim mesmo

Longe da mãe África

Há séculos venho lutando

Para conseguir ser respeitado

Há uma luta tão grande

Que amedronta

Que rasga a alma

Que todos os dias

Tenho que lembrar da minha condição

De sobrevivente errante

Um filho em terras estranhas

Que renegou

Tudo de bom que fiz

E faço

Há um encurtamento nas oportunidades

Mato todos os dias a fera que há em mim

Para não desesperar

Para não enlouquecer

Para que posso, me fazer perceber

Na mesma condição que o outro

Anos,

Décadas,

Séculos lutando,

Travando batalhas para que meus filhos

Tornem filhos dessa pátria mãe

Que até então tem sido madrasta

Por permitir violentar e estripar os nossos sonhos

Por permitir que a violência

Contra minhas filhas seja tão banalizada

Vulgarizada

Por permitir que meus filhos

Vivem à margem de seus direitos

Dando murros em ponta de faca

Que sejam apunhalados e jogados

Na sarjeta

Como se fosse um lixo

Há tantas batalhas

Que já nem sei por onde começar

Há uma tristeza

Há um quê de saudade

De um tempo em que

Era livre e podia correr pelas savanas

Admirar e respirar a beleza do lugar

A um quê de saudade do que fui

Mas sacudo fortemente meu corpo

Para reacender a chama da vida

Os avanços

Às vezes são insignificantes

Diante a negação de que

Eu e você somos iguais

Não é a tonalidade da pele

Que dita o meu ou o seu valor

O sangue que corre em mim

É o mesmo que corre em você

Somos pó de estrelas

A mesma composição que há em mim

Há em você

Somos terra,

Somos água,

Somos ar,

Somos fogo e

Somos éter

Então por que???

Você diz que eu sou inferior de você.

Marlene Queiroz
Enviado por Marlene Queiroz em 20/11/2020
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