Quebrada
Mil pedaços de mim jazem ao chão, estilhaços de sonhos natimortos.
Devo agradecer-te? Afinal, posso reconstruir-me. E tu?
Sou a alma da primavera que dorme em cada inverno para renascer ao primeiro raio de sol.
Sou a semente sob o solo, avida da chuva para nutrir-me a cada gota.
Sou a acha de lenha seca aguardando a primeira fagulha para arder.
Sou o primórdio dos tempos aguardando "faça-se"!
Sou todos os deuses em todas as eras no desfile interminável do ser.
Já fui quebrada, queimada, desmembrada, morta em mil vidas vivendo inúmeras formas de morrer. E renasci.
E tu? Quem foste?
Fui o sonho da quimera santa e profana. Fui vento e tempestade, brisa e tormenta. Varri os mares e encrespei as ondas em furiosos vagalhôes que sossobram barcos e destruíram civilizações.
Fui a fúria dos vulcões a erguer montanhas e afundar continentes.
Jazi nas profundezas esperando paciente ser liberta dos grilhões da terra para voar ao infinito como átomo desgarrado.
Tive meu coração partido e minha alma tão ferida que a dor empalideceu as estrelas e ofuscou o sol.
Então, tu veio como sussurro e pediu compaixão, pediu amor sem julgamento, pediu uma chance para viver, e me tentou matar.
Confesso que quebrei...mas nao morri. Eu, que poderia morrer por ti, não morrerei para ti.
Mas como a árvore chora ao ver que o cabo do machado é de madeira, eu choro por ti, pela ultima vez.
Dizem que o amor não morre, ledo engano. Ele morre assassinado em cada gesto ou palavra que tenta profana-lo, mentir-lhe, escravizá-lo.
Mil pedaços de mim jazem ao chão, pedaços do amor que te dei e que fostes matando aos poucos.Não te enganes, eu sobrevivi a mil vidas, sobrebiverei a mais esta...e tú?