PÁGINA AVULSA
Esse diamante que cintila no silêncio, o amor, não pode tudo.
Não pode romper o rancor encastelado.
Não pode ultrapassar a fronteira fechada de um peito deserto de esperança.
Não pode consolar o oceano das lágrimas amargas vertidas na escuridão.
Não penetra no abismo de mágoas escavadas por séculos, no desmoronamento de cada ilusão.
O amor não.
O amor espera um sinal, um aceno, a senha.
O amor adormece, hiberna sob o mau tempo, conta as horas, confere as marés, cofia as asas.
O amor retorna de tempos em tempos à porta de entrada, os olhos fundos, ávido pela entrega.
O amor erra.
O amor exercita os membros atrofiados. Bebe da chuva de queixas pra não morrer de sede.
O amor pede, mendiga, se nada recebe rasga sacolas de lixo emocional à cata de migalhas, uma gentileza dormida, compaixão vencida.
O amor vaga, esquece o nome, esmorece, pena, tem fome.
O amor não pode tudo, não. Tem febre e alega cansaço quando já não acredita.
O amor abdica do par. Amor é ímpar, mas mantém o dom da rima, a brasa acesa que ilumina a noite da espera.
O amor inspira, impera, escreve minhas cartas, abre as janelas, tira o pó dos livros.
Há tanto tempo ocupamos o mesmo cômodo, que eu já nem sei mais quem é o dono, o inquilino, quem mora.
Penso que a diferença está na chave. Enquanto a minha só abre do lado de dentro, a dele emperra do lado de fora.