ONDE HÁ FUMAÇA

Trago fumaça de outras eras…

As vezes a memória cede à vertigem de um esquecimento profundo, ela cede e enfim submerge no sono do mundo. Da onde viria a criatividade se não fosse a preguiça? O que seria do tédio se não houvesse mais trabalho a ser feito?

Ainda assim muitas soluções engenhosas insistem em surgir da necessidade do momento, como se os problemas clamassem por uma resolução lógica imediata… um quadro torto na parede da sala, um risco na lataria do carro, o espelho embaçado, o buraco da agulha e a maldita linha, o farol quebrado, a bússola bêbada, a origem das espécies e o sentido da vida.

As vezes a memória cede, vira história. E o que era só natural se torna também cultural, o símbolo transpassa o neurônio, e aí lembramos que podemos agora nos dar ao luxo de esquecer, e então lembramos que devemos esquecer certas coisas, porém vamos esquecendo também de que devemos lembrar de tantas outras…

E assim como todo caminho tem um ponto de partida, não era e não foi só uma vez, como sempre eram todas as vezes, sempre em algum lugar distante, há mais ou menos mil léguas em direção ao passado ou ao futuro, tanto faz, em um multiverso paralelo de um mundo imaginário qualquer, numa fábula qualquer.

O que havia era terra e civilização, havia ainda um povo que emanava vida e destruição, que se admirava a cada dia com a natureza. Nestes tempos já haviam fronteiras e limites imaginários, mapas cosmológicos pregados nas paredes de cavernas privadas.

Toda história tem um começo, toda jornada um caminho, todo caminho é um ponto de partida. E eis que surge o(a) personagem para trilhar esse suposto caminho desconhecido, com todos os seus defeitos como coadjuvantes, cada qual pendendo para um lado, todos em direção a um futuro cômico ou trágico na melhor das hipóteses.

E nós aqui deste lado, torcemos para que os nossos heróis cheguem aos seus destinos sãos, pois queremos chegar salvos junto com eles, afinal também somos parte da história, testemunhas dos seus atos virtuosos e criminosos, observadores ocultos ou protagonistas, espíritos de luz e de trevas que os acompanham.