Sociedade dos hipócritas

Meu intento é um lamento em meio a elocuções

Eloqüentes de oradores fluentes, dominadores sorridentes,

discursos que disputam pela audiência.

E eu na platéia, sempre na platéia,

dizendo “me escutem. Estou com a razão”.

A platéia quer floreios, simpatia, convicção.

Eu quero certeza eterna (algo impossível).

Por isso é sempre incerteza.

E a platéia quer apenas certeza.

E os oradores se regozijam com os aplausos.

E os aplausos doem nos meus ouvidos.

E os oradores riem-se, comunicam-se e se festejam,

e discursam entre si.

Suas primeiras-damas têm ares superiores.

Distribuem donativos à platéia em ovação.

E o desprezo é compreendido pela turba.

Eu não compreendo nada. Não participo de nada.

Ponho-me em um segundo plano e apenas observo.

Pena que sou percebido e a percepção que me dão não é merecida.

As primeiras-damas me olham com desprezo.

As tietes dos oradores compõem o grupo das estúpidas.

Aspirantes a oradores ensaiam seus discursos.

E é impressionante perceber a mudança de status,

inscritas até mesmo nos corpos e no jeito como se vestem.

Tornam-se outras pessoas.

E essa sociedade hipócrita e medíocre celebra-se a cada

instante, a cada novo discurso, a cada encontro.

E eu, apenas observando e intentando.

Estarei em algum grupo hoje ou no futuro?