Desassossego

Onde está você agora? Onde dorme? Onde acorda?

Já não é no quarto ao lado,

enquanto eu durmo ao relento.

Armei a rede à varanda e enfrento o vento.

E, na madrugada, no frio, eu fico só.

Onde está você agora? Onde mora?

Eu passo em frente à fonte,

A gente que eu encontro nada me fala.

Não diz do meu passado. Não me mostra o seu rosto.

Você é pra mim o frio que vem do mar à noite,

demandando uma fogueira, uma cabana, cobertor,

ou um corpo quente.

Mostre o seu rosto. Mostre-me você.

Me diga onde você está agora!

Se você sonha, se namora, se te estreitam,

se te dão acolhida, se matam a tua sede, se te beijam,

se tua pele acariciam, se em teu corpo se deleitam,

se minha boca é esquecida, se meu toque agora é bruto,

se tuas mãos alcançam algo, se a noite te traz alegria,

se o dia amanhece e você percebe como eu percebia.

Onde está você agora? Está lá fora?

E quantos passos eu darei para te encontrar?

Quantas bocas provarei para te beijar?

Quantos homens precisarei ser para ser teu ar, teu mar,

teu sonho, tua morada, teu projeto, o teu brilho, a direção

do teu olhar?

E quantos anos eu vou ter que esperar?

Quantas vezes eu vou ter que te lembrar?

Ou você será a voz que ouço ao longe quando sonho,

e que quando acordo deixo de escutar?

Me diga onde você está agora!

Na noite que adentra o meu quarto?

Nas brumas da montanha ao longe?

Na lua que há tempos não contemplo?

Ou você está dentro de mim?

E é por isso que não te toco, não te vejo,

só te sinto, não beijo mais sua boca, não toco o seu rosto,

não sinto o teu cheiro?

É por isso que você é desassossego?

É por isso que já não a tenho, porque já deixou de ser,

e o que trago aqui comigo já não é você?

Me diga onde você está agora!

Ou você sou eu?