31 De Outubro de um ano qualquer…

É hoje que mais um ano passa… e já foram tantos que desisti de os contar. Estou cansado, abatido pelo tempo das controvérsias, pelas vicissitudes de uma vida vivida no limite da aventura e da ilusão…

Estou farto de viver suprimido do meu mundo, de viver escondido ou de fazer parte das noites desertas em que todos se ausentam nas viagens dos sonhos explorados.

Monólogos de tristeza, de alegrias fingidas ou de reflexões ponderadas mas que carecem de uma sustentação real e imparcial.

Não existe ninguém que possa ajudar-me! Estou farto de gritar… com os meus pedidos de ajuda, estou cansado de gemer de dor por não conseguir chegar a lado algum… se é que de dor posso falar.

Já não tenho o prazer de entrar nos corpos e assumir as suas identidades, de tantas vezes o ter feito… nada, mas nada mesmo me dá o alimento que possa sustentar a minha loucura neste mundo estéril… mesmo que troque os sentidos, nada, sustenta a carência estéril neste mundo louco e nem tão pouco, o posso dizer.

31 De Outubro de um ano qualquer perdido no século passado… morri! (Acho que morri ou então nasci, já nem sei de tão confuso estar.)

Sei que me tornei no fantasma esquecido, órfão de sucessos e de magias das noites longas ou dos dias apetecidos…

Tenho saudades! Se é que posso dize-lo, se é que um fantasma nutre qualquer espécie de sentimento…

Recordo as brincadeiras, os amigos que visito sem que eles saibam (embora poucos, muito poucos o sintam e não o assumam), recordo os amores, as viagens ao universo das fábulas do Ser ou os tempos que a memória guarda fixamente…

Ainda hoje, anos depois, sinto a vontade de voltar ao mundo real, mesmo que impedido do meu Eu, da minha Alma.

Mesmo que a memória apague o ano quero voltar para lembrar o dia que fechou a minha passagem pela terra, mesmo que recorra a outro corpo para escrever, pois só assim consigo mostrar-me num todo ou parte de mim, ponderado nesta mensagem sem destino predefinido.

Perdoem-me os incautos e os incrédulos por esta manifestação, para eles anuncio-me na data de 31 de Outubro de 1929, data da minha morte… podeis ver-me como o 6.º Presidente da República de Portugal cujo nome como sabeis é de António José de Almeida.

Mas se no ano me enganei, se na morte confiei por erro e ou por troca o fiz, (insisto, já não sei de tão confuso estar) vos direi que se neste dia nasci, então fugirei para o ano de 1902 e assumirei o perfil de Carlos Drummond de Andrade nascido em (Itabira) Minas Gerais no Brasil, Poeta por opção, e assim justifico a minha presença e desejo numa escrita feita de conto…

Seja como for, mais um ano passa e estou exausto, das histórias polémicas inventadas e das oportunidades por acontecer, para que seja reposta toda a verdade, a verdade roubada que não tive em vida e que por falta dela paguei e a verdade ludibriada depois da minha morte!

Voltei para vos dizer que agora já nada me interessa, já nada interfere porque agora sou apenas mais uma estátua algures despercebida.

Perdoem-me! Voltar aqui e assim…

Lisboa, 31 De Outubro de 2007