Voz da anunciação

"Se a realidade é esta, por que devo fugir dela? Por que devo evita-la, fingir que não a vejo ou nega-la? Por que me desagrada? Há como, realmente, fugir?"

"Talvez coubesse a mim, verificar por onde estavam meus pés e por quais percursos os mesmos decidiram percorrer."

"Talvez coubesse a mim, ir além dos passos e dos pés e então, verificar a voz que sempre fala em sutilidades infinitas e foi esta voz, justamente, que meu corpo em sua sabedoria ouviu e atendeu."

Foi união, unificação, como queiram. Estava ali o além e o aquém, juntos, a conduzir nossos passos, nossas decisões. Não estava só o psíquico e nem aquelas outras forças, ditas contrárias, os instintos. Ambos, céu e terra, casaram-se e fizeram-se presentes em cada escolha. Por que então, agora, o debater-se?

Talvez o que nos assenhora, nessa hora tão fatídica, seja a largura das avenidas oculares, nos dizendo da estreiteza dos olhares que assumiram o controle no antes e persistem em querer se manter. Contudo, há algo que fala e se sabe, já não há mais, como. Quisera o homem ter-se vasto sempre e contemplar sua pouca visão, é mais que torturante.

Sim, eram olhos. E quando nesse instante, vem a tal visão, já não sabemos em qual porto descansar nossos pés, o corpo está caído em meio aos escombros. Este, expressão tão única desse sagrado, deixado de lado e negligenciado, voz do feminino, escancara suas feridas e nos intimida em nossas vergonhas. Afinal, tudo é ver e não se percebe a distinção daquilo que se enxerga e daquilo que se vê. Confunde-se, mistura-se, nega-se, perde-se:

"não dá, não quer, não pode ser. Preciso do belo e o expulso que fique em seu lado obscuro. Não, na escuridão não se pode ver. E quero ver, não quero mesmo é enxergar e saber do que está por traz desse muro que invento, prefiro calar e ditar o que me convém, nas dobras de um tempo que eu, o que vê, controla só para o "meu bem"."

É preciso a nós um pouco de linha, uma reta precisa para dividir e assim, continuar a ver e então, deixar pra traz aquilo que não se enxerga. Fingir, talvez, que não sabe que há por ali o que nesse olhar nunca cabe. Deixar todas as certezas cair ao chão... "ah, não!"

É preciso a nós um pouco de tábua e que seja de salvação, que venha de lá e não daqui porque aqui, "já sei que não sei por onde ir. E assumir-me perdido, não, não posso. Como fazê-lo? Acreditar-me coerente e sabendo de mim, me basta e que o outro lute só e por si."

Falas e mais falas, caladas nas entrelinhas e aqui e ali, às vezes, revelada, mas que seja por pouco tempo e que haja sempre, algo para se distrair. Um evento, um momento, um filme, uma música, um data, algumas palavras que nos deixam regados de beleza, sem enxergar a tal destreza da arte a nos arar. Afinal, lá estará ela, a voz que não cala e nesse agora, nos põe de cara no chão, sem se importar com os nós que apertam as gargantas e se omitem, mesmo quando se engasgam.

E será do aperto, do contorcer de corpo e alma, o nascer de um novo filho que anuncia seu apgar pelos ares, pelos rádios, mídias, mas não se ouviu. Afinal a sutileza do som, nem sempre é sentida, antes que a forma seja por nós todos, vista. Todo relâmpago é anúncio de um trovão. E toda mãe geme, se contorce ou mesmo grita no parto de seu filho. E quando anestesiada, o corpo estará em suas contrações dizendo das suas dores. Não há como sufocar mais o renascido e será pela boca da "mulher", como sempre, o que não se quer, dito.

Ela veio e aí está, em suas asas tão ambíguas, a nos libertar. Que se afie os ouvidos, pois, todos os quartos já acolhem suas formas - imagens da anunciação!

Kátia de Souza - 12/06/2021

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