LEMBRANÇAS DA NOSSA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Lêda Torre

Quantas saudades daquela terra querida, uma sede municipal rodeada de pequenas colinas, um relevo variado de planícies, vales, serras, rios, riachos, lagoas, açudes, lagoas, igarapés...quanto encanto em cada obra do Criador! Colinas, Colinas! Quem bebeu da água do sobrevivente Itapecuru e do ainda vivo Alpercatas, não poderá jamais te esquecer, torrão amado! Quantas saudades pensar em ti, encerram!

Olhando as imagens encontradas em vídeos, na internet, nas fotografias envelhecidas pelo tempo, nos mantemos vivos com tantas lembranças, ao ponto de nos transportarmos a um tempo já tão distante das nossas vistas e sonhos adormecidos em nossa memória. Teus filhos espalhados por todo o Brasil e até fora dele, normalmente viveram boa parte de sua infância, adolescência e juventude ali em Colinas, onde fincamos nossas raízes para sempre.

Os teus filhos, ó Colinas, a maioria é oriunda de pequenos povoados, onde a roça muito remota, talvez tenha marcado até muito mais do que as grandes cidades, para onde fomos buscar crescer na vida ou em busca de fortuna, como se diz até os dias de hoje. Como não lembrar daquela palhoça no meio da roça, um lugar de descanso dos trabalhadores, cujo laboro não era nada fácil debaixo de um sol escaldante por anos a fio, herança de gerações e mais gerações. Ali na roça, se via crescer os alimentos como os cereais, as verduras, os apreciados maxixes, os quiabos, as abóboras, os jerimuns, as enramadas melancias, os melões tão doces, as tuberosas raízes da mandioca, macaxeira, batata doce, e tantas outras preciosidades que só naquele solo tinha com abundância.

Em toda casa que se prezava tinha seus tomateiros, pimentões, alfaces, pimenta de cheiro, pepinos, naqueles canteiros tão lindos, e o “jongome”, muito apreciado também na culinária caseira, a vinagreira. Ver o arroz crescer, encaroçar e depois colhê-lo para pilar no pilão de madeira e logo mais torrá-lo, seguindo com o cozimento na banha de porco ou azeite de babaçu. Sem contar que apreciar o feijão crescendo verdinho, com suas vagens vale a pena e a fava também.

São muitas e deliciosas preciosidades que podemos admirá-las numa natureza completa, presente de nosso Pai amoroso sem que mereçamos na verdade. E além disso, não só a roça ou roçado, na plena naturalidade e simplicidade que contém, outros motivos podemos encontrar na terrinha querida.

Quão maravilhoso é se encantar naqueles povoados com uma chuva sobre as palmeiras dos babaçuais, cujas palhas cobrem até hoje aquelas palhoças de taipa, ou de pura palha, mas que acolhe toda uma família como se fosse um castelo. Seu aconchego não tem igual! Como é prazeroso passar uma chuva sob aquele teto coberto por palhas, tanto faz ser de dia quanto de noite, imagina numa rede fiada e enroladinhos com um lençol de saco de algodão tão macio e tão quentinho a nos aquentar! Como é lindo o anoitecer e o amanhecer no interior, ainda mais nos tempos de chuva!

Algo que não falta até hoje nessa vida simples é o compartilhamento dos moradores da nossa roça nas atividades como fazer uma casa de barro ou mesmo de tijolos ou adobe, coberta de palhas ou telhas; fazer comida pra muita gente em época eleitoreira ou dos festejos tradicionais; e quão indescritível é aquela alegria quando ornamentam a igrejinha local para aqueles missais do domingo ou dos casamentos e batizados, todos celebrados pelo pároco da sede de Colinas!

Como não se recordar dos ajuntamentos camaradas nos arrasta-pés e forrós pé-de-serra em noites enluaradas ao som da sanfona, do pandeiro e do triângulo ou outro instrumento musical da época! Vale lembrar igualmente esse juntar coletivo nas “panhas” do arroz, nas farinhadas, e até nas goladas de pinga braba daquelas bem quentes de nomes exóticos, segundo os bebericadores fiéis.

Como essa gente acostumada com tudo isso pode não lembrar da camaradagem das quebradeiras de coco babaçu, no apadrinhamento dos casórios e batizados da gurizada, é o “conversê” daquele pessoal que abate bois, porcos e aves para as comilanças também das festanças, de uma fartura de tudo!

De que maneira nossa gente vai deixar de trazer às lembranças de tarefas tão corriqueiras como preparar bolos de tantas espécies como de puba, de tapioca, do macaxeira, de trigo, de arroz, de milho, as conhecidas e saborosas pamonhas, em especial na semana santa, do delicioso “chá-de-burro”, da velha panelada, os doces de frutas nos tachos de cobre, o debulhar do feijão verde no “kibano”, o ralar da macaxeira para fazer bolos, do milho seco para fazer o cuscuz no pano de saco, o torrar do café com rapadura, o apurar do azeite do coco babaçu, e tantas outros afazeres do dia a dia da gente colinense com raízes plantadas em alguns povoados do entorno de Colinas.

Tarefas outras simples, mas que são feitas com prazer, tecer o abano, o kibano, até portas de esteiras de palhas de palmeiras, o preparo da terra para a chegada das chuvas e o plantio do arroz, feijão, milho, melancia, e tantas outras iguarias da roça inesquecível. Era legal descaroçar o algodão apanhado nas roças algodoeiras para fazer o pavio de algodão também.

Até mesmo o rachar da lenha pra alimentar o remoto fogão e forno de barro, o pilar do arroz para fazer as comidas tão orgânicas e saborosas nas panelas pretas de ferro, onde um feijão baião-de-dois ficava meio roxo do puro ferro da panela segundo os mais antigos falavam. E aquela “sembereba” de pitomba, de cajá, do buriti e de outras tantas frutas que na ausência de um liquidificador, era feita no pilão e peneirada na peneira de bambu ou de talo de buriti.

Lembrando naquela vida cheia de laboro, mas de alegria, apesar das coisas serem bem remotas, tudo se fazia a mão, era tudo artesanal, dava trabalho, mas compensava quando se descobria talentos capazes de produzirem ferramentas e sustento da própria terra. Até o jirau para lavar as panelas e louças senão de barro, ou de ferro, o sabão caseiro feito de soda cáustica e azeite de coco babaçu, o azeite ou banha de toucinho de porco eram para temperar as comidas, o vinagre feito da uva ou da banana dormidos por dias, a produção da farinha de puba ou branca, o tirar da massa da mandioca para produzir a tapioca, a puba ou a farinha.

Quem das senhoras donas de casa não tinha em seu fundo de quintal, o seu canteiro cheinho de cebolinha, coentro, pimentão, alface, pimenta de cheiro, couve-flor, o plantio do quiabo, do maxixe ou da abóbora, das plantas medicinais como o capim santo, a erva cidreira, o hortelã, o boldo, o alecrim, a alfavaca, a erva doce, o cravo da Índia, entre outros. Como não lembrar das garrafadas feitas pelas senhorinhas de mais idade a maioria das vezes, remédios caseiros que aliviavam as dores de cólicas, da gripe, das dores de mulher, dor de veado, desarranjo intestinal, dor de cabeça, catapora, sarampo, coqueluche ou tosse braba como é mais conhecida, febre ou tosse e muitas outras enfermidades que curavam na hora!

Voltando as boas lembranças da meia boca antes do almoço, uma farofinha de fava ou de feijão verde cozidos com farinha de puba, sal e pimenta do reino, tomate, cheiro verde, cebolinha e o saboroso azeite de coco babaçu, sempre fez a alegria da meninada. E aquele puxa-puxa de rapadura como merenda da tarde que fazia os guris brilharem seus olhinhos! Quem não se lembra daqueles pirulitos enrolados no papel e no palito? E das bananas fritas também no palito, toda passada no açúcar grosso? E daquelas broinhas de tapioca bem crocantes vendidas por aquelas boleiras para o café da tarde?

Também na sede da terrinha colinense é impossível nos esquecermos das crianças indo para o velho grupo escolar, chinelo no pé, vulgo “currulepo”, roupas simples, muitas delas de farda, era um orgulho, os livros debaixo do braço, e em tempos de chuvas os livros enrolados naquele saco grosso vazio de leite da “Liga das Mães”, segundo ouvi ainda criança, eram importados da América, mas que serviam de proteção dos livros; mochila? Quem ouviu falar disso? Nenhum de nós.

Aquelas ruas piçarradas, ainda sem asfalto, menino não podia cair, senão ralava o joelho e o Merthiolate ou Mercúrio cromo faria a assepsia do arranhado. Aquelas mesmas ruas piçarradas era nosso chão de sair pelas calçadas a banhar na chuva e ficar debaixo das goteiras, era a hora de soltar nossos barquinhos de folhas dos cadernos, já usadas. Quantos barquinhos eu soltei com meus irmãos!

Como era bom, a noite de lua cheia sentar nas portas de casa, reunir as crianças para a contação de histórias de alguém mais velho, ali também brincávamos de cantigas de roda, do “feioso trá-lá-lá, do cai no poço, da cobra de cinturão na linha de uma calçada a outra, do carimba, do cancão, do passa-fogo, da pobre de marré desci e da rica, da boca de forno, e tantas brincadeiras inesquecíveis.

E, diante de inumeráveis recordações da nossa infância e adolescência, após uma noite enluarada de brincadeiras e contação de histórias de trancoso, um amanhecer com um delicioso café da manhã com leite de vaca, um beiju ou cuscuz de arroz ou de milho e azeite de coco ou a antiga manteiga real de quilo comprada na quitanda do vizinho, enrolada no papel, muitas vezes café torrado em casa, ou até mesmo em vez de um beiju quentinho com manteiga, um grolado de puba ou frito de ovo ou de carne seca, como também café com macaxeira cozida, entre tantas outras opções caipiras que fizeram nossa vida bem doce. Éramos felizes com tanta simplicidade e não sabíamos! Quantas saudades da nossa terrinha!

São Luis (Ma), 14 de janeiro de 2021

Lêda Torre
Enviado por Lêda Torre em 27/06/2021
Reeditado em 22/10/2021
Código do texto: T7287603
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