SOLIDÃO URBANA
 
          
 A solidão é fera, a solidão devora
          É amiga das horas, prima-irmã do tempo
         E faz nossos relógios caminharem lentos
        Causando um descompasso no meu coração...
       
Letra da música: Solidão  –  autor: Alceu Valença

 
 
A cidade lá embaixo
é estranha e perigosa
sei que nela não me encaixo
por isto não desço lá
Não sou otário, pousado cá
bico calado e solitário
feito urubu no telhado, apenas olho
 
Meu olhar é ligeiro e certeiro
meu vôo nem tanto
No entanto
arrisco-me no ar
a contar as janelas humanas
algumas fechadas
outras abertas
algumas com vida
outras sem vida
gaiolas de cimento e aço
Faço do espaço meu lar
e do voar minha busca de comida...
só comida?
 
A vida lá embaixo escorre pela avenida
como um rio fluindo para o mar
mar que perdeu graça
e virou praça
Nada mais me assusta
só o tédio
De prédio em prédio
já vi de tudo por aqui.
 
Balão, avião, trovão
alguém se atirando pro chão
Briga, palavrão,
ódio disfarçado, rangendo por entre dentes
Ladrão, safado, bombeiro, até tiroteio
Já vi medo feito grito abafado na garganta
de criança correndo
de criança chorando
Vi ciúme em bocas, corações
e mãos amordaçadas,
fechando portas e vidraças
Já vi beijo e separação no banheiro
mas gente rasgando dinheiro, nunca vi não
 
Mas nem tudo é susto
Já vi flores gentis e belas
em sacadas enfeitadas de cores
emprestadas da primavera
Já vi o amor feito leveza e poesia
como duas borboletas tocando-se
nuas no sol do meio dia
Já anoiteci triste
procurando as luzes sem vê-las
como a lua minguando
em noite de céu sem estrelas
Já vi a alegria frágil e vazia
como bolhas de sabão ao vento
durarem apenas um momento

Quero ter paz e parada
como a cidade que emudece
no silencio da madrugada
Mas, minha alma amanhece
ainda acordada
sem sono...sem sonho...sem nada
 
Um dia destes
de uma janela amarela
um velho acenou-me com a mão
Olhou-me como quem olha a um irmão
e através de seu olhar de compaixão
pude ler seu pensamento
e perceber
que nossas diferenças desapareciam
que nossos olhares e crenças se confundiam
como as nuvens no firmamento

E na solidão, daquele momento
então entendi
que todo o tempo
ele esteve ali
a olhar-me
a olhar-me
a olhar-me...



 
 
Claudio Lima
Enviado por Claudio Lima em 27/06/2021
Reeditado em 27/06/2021
Código do texto: T7287754
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