Harmonia

Eu era um ser só.

Nas curvas do caminho, meus olhos encontraram outros olhos, e ali me vi inteira.

As mãos se entrelaçaram, e nos tornamos um.

Éramos dois seres, que, aos poucos, se sentiram sós, de alguma maneira.

E, nas voltas da vida, nós nos dividimos: uma, duas vezes.

Quatro seres unidos em um só amor, vivendo em um só compasso.

Era boa a convivência, grande o aprendizado, forte a essência.

Na cadência da vida, perseguidos pelo tempo, distanciamos os passos.

Os passos dos filhos marcando o próprio compasso.

À mercê do tempo, vivemos à espera do encontro.

...

E eis que chega o tempo certo da volta, do reencontro, da harmonia dos passos.

Filhos em casa! A família se abre à arte da convivência.

A casa cheia, o som das vozes que preenchem o espaço...

O calor do Bom dia!!! Há de ser de muita alegria!

A ternura do abraço, o amor demonstrado no beijo...

O tempo na cozinha – socorro à mãe de “asa” quebrada.

A prosa animada em torno à mesa: os planos feitos, os desfeitos, os sonhos...

O ajuntamento aconchegante no sofá para ver algo na televisão.

As intermináveis brincadeiras com a cachorrinha Kila – mascote da família.

Falas altas, o som das risadas, as lembranças dos tempos de então...

Cabeça da mãe, que encontra abrigo no ombro do filho.

A cabeça do filho no colo da mãe, enchendo a alma de emoção...

As noites longas, em que ninguém quer se recolher primeiro para não perder a conversa...

Tempo de prece ao Criador.

...

À mercê do tempo, chega o momento da despedida:

O abraço, que se faz laço e não quer ser desfeito...

As últimas falas – quase inúteis – para reafirmar o valor da presença.

O beijo...

O pedido de bênçãos...

O desejo de dias amenos, felizes...

O coração se preparando para as inevitáveis ausências.

A alma em Deus, que rege da vida a cadência.

Luisa Garbazza

1º de junho de 2021

* Despedida do meu filho padre, que partiu para a missão: de Minas para Mato Grosso.