MEMÓRIAS DE UM CAJUEIRO

A estrada que agora se abre a nossos

olhos não se entrecruza com outra

nenhuma. Está mais deitada que os

séculos, suportando sozinha toda a

distância. (COUTO, 2009, p. 9)

Depois fomos morar na vila militar, no bairro Marquês de Paranaguá, zona norte da cidade, era um bairro pequeno, com casinhas pequenas, todas iguais, mas lembro de um pé de cajueiro bem na frente de casa, era enorme, dava para subir nele e passar para o telhado de casa. A vida ali era bem mais agitada, havia muitas crianças para brincar e todos eram mais ou menos da mesma idade. Eu já completara 10 anos. Brincávamos de tudo, de esconde-esconde, bandeirinha, pega-ladrão, roda, bambolê, elástico, jogávamos bola, mata-mata, tudo.

Vez ou outra vinha um primo, filho do tio Borges e tia Ditosa. Tio Borges gostava de contar histórias sempre engraçadas. A turma era grande, oito ou dez crianças, até vinte, eu acho, entre meninos e meninas. Mas ficava bem melhor quando a Sandrinha estava por perto, era uma menina quieta de cabelos encaracolados. Quando ela brincava isso me dava uma alegria extra, corria mais, queria ganhar em tudo, nem sei o porquê disso. Era nossa vizinha do lado e poucas vezes brincava com a turma, conversávamos pouco, a mãe não a deixava sair muito, mas sentados no muro à tardinha, debaixo da sombra do cajueiro, as horas se delongavam sem que percebêssemos e tudo ficava mais tranquilo e silencioso, parado, como se só nós existíssemos naquele mundo. Íamos embora junto com o sol, sem combinar, assim quase sem falas.

Um dia a gente brincava de esconde-esconde, eu corri para o quintal de casa iluminado apenas pela luz da lua, Sandrinha também veio e ficou a poucos metro de distância, o primo apareceu logo em seguida dando risadas – bem baixinho – e ficou do meu lado.

– A Sandra disse que gosta de você – Risos de novo –, dá um beijo nela.

A resposta foi imediata, um não de espanto e surpresa com a revelação do primo. Ele insistiu.

– Se não eu conto pra todo mundo. Isso foi ainda mais assustador. Fiquei sem chão, podia sair dali se quisesse, mas, e depois, como enfrentar as risadas dos colegas. Não, isso era bem pior, nunca mais iria botar a cara fora de casa. Levantei de súbito e corri em direção ao final daquela angústia que não durou mais que dois segundos, uma cara espantada, um arrependimento do tamanho do mundo e tudo estava terminado.

Nos dias que se seguiram não tinha mais ânimo para as brincadeiras. A sombra do cajueiro era pura solidão e o peso do silêncio incomodava tanto dentro de mim, acho que era saudade. Olhava para os lados e nenhum sorriso, nenhum cabelo encaracolado só o vazio distante.

Leandro Dumont
Enviado por Leandro Dumont em 03/07/2021
Código do texto: T7291894
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.