Do quedar-se inconstante

... Sem cor jamais quis viver. Viver, cansar bem os músculos, andando pelas ruas cheias...

Murilo Rubião

Sabes das promessas ditas e não ditas, das juras faladas e não faladas?

Do sentimento febril de sentir-se deus numa caminhada, conceber o curioso desejo de um deus de tornar-se humano, para assim deliciar-se no mundo e sentir o peso de si próprio numa estrada, o toque do vento, a leve queimadura do Sol, o doce cansaço do corpo, e sentir-se como um deus somente por sentir-se demasiado humano, demasiado tomado de maravilhas, das maravilhas ordinárias, do verde mais verde, da terra mais dura de encontro a borracha mais flexível da sola que protege a carne mais mole; de ver o mundo mais mundo, o vivo mais vivo, e o ondular das coisas tão assim mais ondulante, como que o felizardo tomado de ópio nas descrições de Baudelaire em Paraísos Artificiais.

O sentimento, conheces? Tu o conheces?

Para Maiakovski, que não tinha as florestas de Boulogne, bastava uma luzinha de Sol. O ópio, o absinto — não os conheço, e nem Boulogne — deixo-os para os malditos poetas. Para que eu me eleve, para que haja sublevação da minha alma da couraça de meu caráter, de meu taedium vitae de homem químico de divertimentos circenses, basta-me... basta-me... basta, basta.

Meu andar agora vaga vagaroso, e meu deambular dentre os dias se demora, o Sol me queima, e meu suor me põe nervoso, meu pouco peso pesa e aos deuses lhes identifico apenas as maldades; o verde é verde, mas e daí? É belo? E o vento? Não o sinto, o Sol me queima, já te disse... Sinto-me humano, demasiado? Não me sinto deus, isto é certo. Sinto-me pequeno, dorido, alheio à natureza, como que à força inserido neste mosaico congelado. Sinto-me mal, ordinário, meus químicos e meus divertimentos, quero-os, para com eles afastar-me de minha posição incômoda neste universo, e afastar-me assim sempre que me for possível, porque que quererei eu com esta realidade na qual não posso voar e conceber deuses invejosos de minha condição mundana de homem de carnes moles sobre a terra tão docemente dura?

Não me apetece o ópio de Baudelaire, não me apetece nem a luzinha de Sol da cela de Maiakovski, ela queima meus olhos... Um banho quente, me recomendaria Sylvia Plath, um banho quente, sim... No escuro, sem a frialdade das luzes, a maldade das formas...

E este sentimento, conheces? Tu o conheces?

Este só pode ser abatido por àquele. E eu sei a cura, mas a cura não me sabe e não me cura... Está nas promessas ditas e não ditas, nas juras faladas e não faladas, e em sonhos que agora, por voltas descalabrosas do universo, sonho sozinho, sem a asa dos deuses, sem a sua inveja que me põe maravilhosamente pleno nesta condição ora desgraçada ora encantada de mortal rastejante, rodeado de verdes, pesos leves e queimaduras, instrumento também da maldade dos demiurgos, também objeto das despedidas feias e das imensas distâncias.