Salamaleiko

Não deixe de recolher minhas roupas

que teimam em ficar no varal

Junte minhas meias, as cuecas,

as camisas e calças.

Não se esqueça das bermudas,

essas mudas peças de roupas

que já cobriram meu doente ser

Coloque tudo num saco,

leve num centro espírita e entregue,

são mais honestos que os padres.

Deixe na porta, toque a campainha e suma,

junto fique minhas lembranças.

Os dias ruins e bons se juntem,

se tornem um só como meus anos,

que já se fundiram em uma vida.

Quando sair do cemitério

ente me esquecer,

já não sou seu,

na verdade, fui seu,

Mas você não foi minha,

apenas algumas transpiradas vezes.

Pegue meus computadores e se delicie.

Veja o que nunca te mostrei,

leia meus emails, vasculhe minhas pastas,

escrutinhe minhas fotos, decante meus poemas.

Acesse meus pendrives, meus discos rígidos.

Conheça meu lado por ti desconhecido.

Folheie meus livros atrás de bilhetes,

de fotos ou cartões esquecidos.

Recolha as flores secas há décadas.

Entre as páginas da Biblia gigante,

nas menores, leia minhas anotações e grifos,

minhas ideias nas páginas sagradas.

Não se perca no meu lixo, na minha sucata,

em caixas, malas, sacolas e prateleiras.

JUnte, por favor, minhas ferramentas jogadas,

não ignore os parafusos e pregos soltos,

algum dia podem servir.

Olhe com carinho, pelos meu fones de ouvido,

já são incontáveis, mas muito necessários me foram.

Creio que muitas vezes me isolaram de bobagens ditas,

foram meus companheiros de corrida.

Por falar nelas, corremos muito juntos, você e eu.

Na verdade, foram milhares de quilômetros suando.

Lembro de suas passadas e seu suor perfumado.

Cuide de nosso filho, nem preciso pedir.

Diga a ele que fui homem o tempo todo.

Deixei algumas pegadas que ele poderá seguir.

Algumas não deixei,mas essas não são públicas.

Por favor se desfaça de minhas coisas,

nenhuma delas lhe servirá de consolo.

Aproveite algo que sobrou de mim,

não tangível, mas lembranças e lambanças.

Diga aos parentes que eu os amava;

Aos colegas de trabalho, que arrumem outro;

Para os da grei, um até breve.

Quanto aos desafetos, os quero no inferno.

Não se preocupe com nenhum deles, entenderão meu recado

Quando perguntarem como foi,

diga que fui feliz.

Se inquirirem se sofri,

fale a verdade que sim, afinal faz parte.

Mas tudo é passageiro, tudo é volátil.

Explique que maior sofrimento é viver,

que todo sofrimento se encerrou.

E, se possível, me esqueçam.

"... e habitarei na casa do Senhor..."

Neilton Domingues
Enviado por Neilton Domingues em 25/07/2021
Reeditado em 22/04/2023
Código do texto: T7307293
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