Mainha

Domingo lá em casa sempre foi dia de festa. É tanto que quando era dia de festa ao mesmo tempo era domingo. Domingo era sagrado, sinônimo de casa cheia, de feira de Oitizeiro, de pirão e carangueijo, era reunião que se dizia?

-era sim, acontecia lá em Dona Luzia.

Domingo era exageradamente um dia de companhia, na mesa da cozinha de baixo, uns bancos de madeira a rodeavam, os meninos sentavam e ela servia o almoço de cada dia.

Era menino demais, alguém dizia: Era bagunça demais, alguém via. Os pratos e copos azuis, daqueles de merenda de escola, serviam a meninada toda refeição fosse de noite ou de dia. E pense como esse povinho comia.

Domingo era dia de feira, lá em Oitizeiro, ritual e compromisso do ano inteiro. Em casa os meninos esperavam ela chegar, oxe já é 11horas é? vamos se sentar no sofá - na espectativa gritava a meninada com alegria e começavam a cantoria:

- Chegou mainha, chegou mainha, chegou mainha...

sem muito ritmo, sem muita melodia a cantoria se constituia de muita alegria.

Os domingos eram dias felizes. Todo mundo almoçava junto, compartilhava história, se sentava à mesa, ria, arengava, batia o martelo na pata do carangueiro. Depois do almoço era hora de cochilar e mainha tinha uma história de dá unhada, uma espécie de cafuné que ela gostava de receber, acho que a fazia relaxar. Quando não era isso ela queria ouvir a história da Cruz da menina de Sousa, um cordel que ela quardava na gavetinha, pedia para a gente, mesmo soletrando ainda, contar, se balançava na caďeira e começava a cochilar.

Oxe, é indescritível definir o que mainha era, só sei que eu gostava do colo dela, do xero dela, de ouvir as história que iam, da minha preferida, a de "seu Aiguém" a da "mulher que não queria levantar".

Mainha é, representa muita coisa na minha vida, nunca vi alguém com tamanha paciência, fé e sabedoria. Representava bem a mulher trabalhadora, que criou os filhos sozinha.

Mainha ficou na história de todo mundo que conseguiu viver com ela. Ela marcou minha vida.

A meninada cresceu, forte e saudável. A primarada dos domingos felizes na casa de mainha, pouco se encontra mais. Os pratos e copos azuis pairam apenas na lembrança. A feira de Oitizeiro ainda existe, porém não é a mesma sem mainha. Os domingos se tornaram dias quaisquer, assim como os dias de festas. As unhadas acabaram, a cadeira de balanço se juntou as lembranças. A mesa da cozinha de baixo ficou vazia, já não comemos todos juntos, nem rimos tanto, as arengas acabaram, as batidas nas patas dos carangueijos silenciaram e o pirão esfriou.

As coisas mudaram e as crianças cantarolando " chegou mainha...chegou mainha" não festejaram mais. Mainha se foi e as crianças choraram a perca da avó que tanto amaram.

Mainha se transformou em memória boa e não há uma reunião, entre as poucas que ainda acontecem, que não lembremos de mainha. Ela foi, mas permanece. Eu não sei explicar, mas é assim que as coisas acontecem.

Driely xavier
Enviado por Driely xavier em 28/07/2021
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