Poética - Samhain

"Há uma lenda talhada com o sangue das deusas antigas: ela diz que uma vez ao ano, o sol morre

e os homens são obrigados a vagar na própria escuridão enquanto se guiam pela radiação expelida de suas almas."

Outrora a terra se posicionou em frente ao sol, sufocando-o nas labaredas do universo até extingui-lo em toda sua fertilidade (...)

A primeira vez que o sol morreu,

a ausência de luz preencheu os vazios da terra com a estranha presença do nada.

Mergulhados nas trevas da própria cegueira, os olhos dos homens reviraram, e eles foram obrigados a soltar suas muletas e encontrar algum sentido dentro de si (...)

Aqueles que não conseguiram encontrar algum significado no nada, enlouqueceram mediante as sombras do niilismo e escreveram as poesias mais infames da terra.

Ah, no dia em que o sol morreu, as rimas e tradições sucumbiram no eclipse expressivo da alma.

Mas as almas sem rumo selaram seu pacto com a liberdade de ser quem eram e criaram seus próprios passos na dança da vida (...)

Já não era possível negar a finitude da existência, pois o véu entre a vida e a morte jazia tênue -Todos enxergavam o horizonte do próprio fim através das alegorias fantasmagóricas do tempo -

Flutuando fora do presente, os depressivos ruminavam o passado e os ansiosos cogitavam o futuro.

Assim como eles, muitos não podiam pertencer a algo e guardavam uma pulsão que anulava a vida como tal.

Não obstante, no negrume da noite de Halloween, as crianças vagavam suavemente por entre as cinzas do sol enquanto transformavam suas existências através de fantasias e criações.

No bater de cada porta, o eco da vida reverberava e abria possibilidades adormecidas (...)

Hoje é Halloween, a festa pagã, mas quantos de nós já não cultuam ideias sem entende-las ou questiona-las?

Hoje é Halloween, rasguem suas fantasias sociais e exibam a flacidez colérica de seus corpos.

- Gostosuras ou travessuras? Indagam as crianças enquanto os niilistas vagam no limbo a lamentar a morte do sol.

Mas quantos não esfaquearam a própria consciência sob o sol enquanto acatavam o mal em seu estado mais puro e mascarado?

- Letícia Sales

Perfil poético no Instagram: @hecate533

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 01/11/2021
Código do texto: T7376265
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