Cadê Dorotéia?!

 

Eu mal tinha chegado e já a avistei ali, próxima ao fogão, preparando umas quitandinhas, como de costume, mas eu notei pelo semblante triste dela que algo não muito bom tinha acontecido, e, depois de cumprimentá-la com um abraço bem apertado, perguntei: - Mas, e aí, Dona Luzia, o que aconteceu? Cadê aquela sua alegria? 

 

Ela me fitou os olhos e começou a me contar toda a história que a avechava, sem esquecer-se de nenhum detalhe, como sempre fazia quando nos contava as coisas; ela, com aquela voz rasteira, carregada de sentimentos, falou: - É o Epaminondas; ele chegou ontem, um pouquinho antes do almoço, e disse para mim que estava com muita vontade de comer uma galinha com quiabo e angu; eu falei assim para ele: - Vá lá, meu véio, ali no fundo do quintal, no galinheiro, e pega lá a Dorotéia; ela já está no ponto! Eu estava mesmo me lembrando dela; ele já foi abrindo o portão - aquele alí, ó - e desceu pelo terreiro com todo cuidado, bem devagar, porque tinha chovido desde a madrugada, e tinha parado naquela horinha, um pouquinho antes antes dele ter chegado em casa; e eu até gritei o Natalino para ajudar o véio, mas o menino não me escutou quando chamei; e meu véio foi indo sozinho mesmo e ele escorava aqui, escorava ali; às vezes, tomava um escorregão e tinha até que escorar com a mão no chão, mas ele, depois de muita insistência - porque ele nunca foi homem de se entregar fácil não, viu! - chegou até o galinheiro, e, também, como já dizia a sua trisavó: "para baixo, todo santo ajuda", e isso parece ser verídico mesmo! 

 

Bem, ele chegou lá e não teve dificuldade nenhuma de pegar a Dorotéia; como ela estava muito acostumada com o meu véio, assim que pôs os olhos nele, já bateu as asas e correu para o lado dele, ela facilitou muito as coisas para o meu véio. Ele segurou ela pelas pernas sujas de lama, acomodou ela no sovaco esquerdo e vinha trazendo ela para mim, só que a volta era uma subidinha e, como o trio estava puro lodo por causa das chuvas, ele estava muito escorregadio; quando o meu véio já estava quase chegando debaixo do abacateiro, não teve jeito, o pé esquerdo dele fincou em um buraco e foi aquele tombaço… Eu escutei o barulho, fui ver do portão e ele estava tentando se levantar com a cara toda enlameada; deu vontade de rir um pouquinho, confesso, mas eu segurei um pouco. 

 

A essas alturas, nem sei onde foi parar a Dorotéia… No final das contas, teve bom, ele só sujou a roupa toda, coitado do meu véio!

 

Pois é... era esse ocorrido que estava avechando a vovó.