O instante da eterna felicidade
Alheio a tudo, estava ele.
Com um raro sorriso no rosto.
Intensamente, a vida passava.
Irrefreável.
Atenta sempre.
Alheio a tudo, sentado num passeio público, ele nem acreditava.
E a vida, um grande automóvel em velocidade extrema.
Ninguém o olhava; aliás, nenhuma novidade.
Mas agora, ele não olhava ninguém.
Estava feliz, numa felicidade pouco vivida, por isso tão preciosa.
Ele, tão acostumado com o nada.
Agora, tinha tanto.
Alheio a tudo, não percebia a intensidade ao seu redor, luzes se cruzando, cheiro de fumaça, barulhos de motores.
Ninguém tinha tempo.
E ele estava conhecendo a felicidade.
Entre suas mãos pueris, um sorvete derretia.
No rosto, além das habituais marcas do sofrimento, exibia um largo sorriso.
Seus olhos, acostumados à miséria, não se desgrudavam das mãos.
Um olhar bem pegajoso para a felicidade que escorria por entre seus dedos - tão fugaz quanto tudo o que era bom: a mãe, o lar, a família.
Agora, só restavam a rua, o pai e a embriaguez.
Do pouco daquela felicidade, ele aproveitava o máximo que podia.
Alheio a tudo.
O mundo em volta dele girava, enlouquecidamente, apesar de sua aparente inércia.
E na sua ânsia de aproveitar, veio uma vontade louca de viver, de ser, de flutuar, voar, realizar desejos... brincar, como criança que era, brincar de correr.
E assim o fez. E assim brincou. Tentou aquilo que poucas vezes se atreveu.
E por que o fez? Será que ele não entendia a invisibilidade?
Pela sua ousadia, a vida o encontrou.
Logo ela, que não para.
Um encontro cruel, que, num grito de dor, eternizou sua felicidade.
E ainda, dormente, a mesma continuou, incontrolável.
Mas ele ficou...
alheio a tudo.