Primeiro de outubro

Eis um dia de primavera escaldante, a prenunciar a intensidade de outubro, o automóvel rodou a cidade e cumpriu o itinerário de tantos anos, cujo destino final era numa dessas ruas apinhadas de casas de alvenaria e cachorros andarilhos. O portão abriu-se. O sol abençoou aquela tarde, os raios projetaram sombras das folhas das árvores e os galhos balançaram-se despreocupados. Degustando do doce gelado, a oportunidade de reviver a já distante infância à medida que o gelo derretia no plástico e escorria pelas minhas mãos, beijando o asfalto sem pudor. Lá havia certo encanto que fazia de mim eterna menina. A tristeza pela perda ocupava todo o lote e ainda era motivo para os olhos encherem-se de lágrimas, mas ela ainda estava lá, com o coração despedaçado, a rocha. Ao acenar no portão em passos vagarosos, entardeceu. E não houve uma última vez. O carro virou a esquina para fazer o percurso de volta, dizendo adeus para sempre a uma parte importante da vida.

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 09/01/2022
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