As possibilidades do impossível

Achava bobeira. Coisa de menina. Mas agora resolvi assumir meu gosto pelo impossível. Muito parecido com as coisas do romantismo para muitos; para todos, felizmente, vai ficar bem clara a loucura que eu nunca me cansei de cultivar. É criativa, intempestiva. Ocorre em etapas ou mescla tudo e sopra na cara da gente. Repara só como xs loucxs tem no rosto as expressões mais incríveis!

Não quero quase nada disso aqui. Quero voar. Morar no fundo do oceano e respirar normalmente, admirando peixes passando entre corais coloridos. Não vou me importar com o som das borbulhas, mas vou querer que o mar cale a boca de vez em quando. Pela manhã, virei à tona e meus olhos vão ter que dar de cara com um pé de margaridas e algumas borboletas ao redor voando. Não é romantismo idiota coisa nenhuma, não! É vontade de ficar olhando só para coisas bonitas que mereçam a visão. Quando o saco encher, posso até dar uma voltinha na terra, falar mal do presidente e me meter numa briga. Também posso declarar intervenção a um livro e passar horas vestindo personagens, decorando todo o cenário de um ou vários capítulos e fazer mais não-sei-o-que-der-pra-fazer naquele espaço literário que eu resolver invadir.

São infinitas as possibilidades do impossível. Mas eu precisaria de uma eternidade para visitar todos os monumentos, viajar em todas as pinturas, poemas e passar um longo tempo jogando conversa fora com Drummond, Machado de Assis e os outros todos que me deixam ansiosa, brigando com o sono e o maldito tempo que nunca se cansa. Ele está sempre passando desde que um dia, criança, percebi uma engenhosa geometria tatuada na pele da minha vó. Parecia um labirinto em que eu brincava muito e nunca me perdia. Seus olhos eram cinzas como os de um gato e seus cabelos de prata eram tão compridos que eu não tinha tempo pra pensar no que daria aquela engenharia das horas, destruindo os ponteiros do relógio de parede que meu pai sempre substituía.

A vida não se faz com a própria casa. Tem as casas vizinhas. Embora ancoradas, são as maiores criadoras de caso do planeta. Arremessam pessoas às ruas quando chega o sol. Tudo deveria, então, ser bonito, mas é aí que a coisa complica. Chamam isso de vida? Seria mais adequado ring ou pista. É preciso socar muito e andar mais ainda. Eu passei minha pista inteira sonhando escondida debaixo dos lençóis. Tinha sempre um relógio no meio do caminho e a vergonha de viver colorida enquanto tanta gente suava quente ou frio. E nem sempre por uma boa justificativa. Vi pessoas trabalhando em parada errada, não para comprar comida, queriam uma moto ou um carro novo. Só isso era o suficiente para cegá-las. Como em O Pequeno Príncipe, não queriam saber da coleção de borboletas de ninguém. Precisavam se ater à idade, altura, conta...

Foi depois dessas tantas que eu, finalmente, percebi os infinitos tons de cores que podem sustentar a minha alegria. Estão nas colinas do impossível, em cada estrela alpina, em cada raio escaldante das mil e uma ilhas que eu nunca vi. Para vibrar no espaço dessas maravilhas, me basta possuir eletricidade natural que acenda minhas telas e impulsione minha geladeira que vai depender de um manancial que a abasteça permanentemente. Também é preciso um sofá confortável em uma sala refrigerada no verão e aquecida no inverno, mas isso eu quase tenho. Meu único impedimento são essas contas que me obrigam a sair do meu canto e ficar por aí, maratonando, como aquelas pessoas que as casas jogam dentro dos ônibus todo dia.