Fissuras na casa ao lado (*Corrida)

Prosa Poética

Fissuras na casa ao lado. (*Corrida)

A casa está vazia. Onde tantos viveram, restou um pé de manga no quintal. Na memória um turbilhão de imagens e histórias.

O tempo silenciou os muitos diálogos, não

as reminiscências.

As paredes descascam, há fissuras na sua laje e muitas trincas pelos corredores.

Seus portões enferrujam. Mas a primavera continua florindo, como uma anfitriã ao receber em largo sorriso um amigo.

Nas paredes internas onde inúmeros quadros e fotografias chamavam atenção para os laços afetivos, hoje sinais destes a refletir os espaços vazios. Tantas incisões.

O mato cresce no jardim, tomando o espaço da roseira amarela, sempre rodeada por borboletas, num zigue-zague colorindo o ar, naquele espaço de silêncio imposto em razão dos ciclos. Nenhum sussurro.

Apenas os pássaros, indiferentes, não deixam de cantar todos os dias. Abrigam-se nos galhos do ipê e fazem a festa. Animam como verdadeira orquestra.

Para além destes movimentos, muito ocasionalmente um ou outro olhar se volta para a casa.

Nas grades enferrujadas e antigas, uma

placa sobrepõe, mesmo toda torta, mas ainda dependurada. Nela números e uma dissílaba, já um pouco apagada “Vende”.

Os pássaros vão e voltam, sublinham

as tardes com seus gorjeios ora no ipê ou na

Mangueira.

Ive Leão

Ive Leão
Enviado por Ive Leão em 01/02/2022
Reeditado em 09/02/2022
Código do texto: T7442532
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