Fissuras na casa ao lado (*Corrida)
Prosa Poética
Fissuras na casa ao lado. (*Corrida)
A casa está vazia. Onde tantos viveram, restou um pé de manga no quintal. Na memória um turbilhão de imagens e histórias.
O tempo silenciou os muitos diálogos, não
as reminiscências.
As paredes descascam, há fissuras na sua laje e muitas trincas pelos corredores.
Seus portões enferrujam. Mas a primavera continua florindo, como uma anfitriã ao receber em largo sorriso um amigo.
Nas paredes internas onde inúmeros quadros e fotografias chamavam atenção para os laços afetivos, hoje sinais destes a refletir os espaços vazios. Tantas incisões.
O mato cresce no jardim, tomando o espaço da roseira amarela, sempre rodeada por borboletas, num zigue-zague colorindo o ar, naquele espaço de silêncio imposto em razão dos ciclos. Nenhum sussurro.
Apenas os pássaros, indiferentes, não deixam de cantar todos os dias. Abrigam-se nos galhos do ipê e fazem a festa. Animam como verdadeira orquestra.
Para além destes movimentos, muito ocasionalmente um ou outro olhar se volta para a casa.
Nas grades enferrujadas e antigas, uma
placa sobrepõe, mesmo toda torta, mas ainda dependurada. Nela números e uma dissílaba, já um pouco apagada “Vende”.
Os pássaros vão e voltam, sublinham
as tardes com seus gorjeios ora no ipê ou na
Mangueira.
Ive Leão