CHUÁ, CHUÁ.

Hoje mandei embora:

Os sapatinhos de bebê;

As roupinhas que já não serviam mais;

O carro e a cadeirinha de passeio;

O “troninho” do pequeno príncipe;

As fraldinhas de pano, que irão secar as babas de outro nenê.

Separei em saco bem grande:

Os carrinhos sem rodas;

Os cavalinhos de pernas arrancadas;

Os cacarecos de montar.

Os triciclos que com outros irão rodar;

A barraca de esconder;

A máscara do Batman;

A capa do Superman;

A luva do Homem-Aranha;

A bóia que deixa afundar.

Os dinossauros que reluzem no escuro;

O carro de polícia de sirena estragada;

Os bandidos de brincadeirinhas

E os soldadinhos de plásticos.

Guardei numa caixa fornida:

Um par de sapatinhos de lã;

Uma roupa miúda de bebê;

Um bichinho de pelúcia, de orelha desfiada.

Um alfinete azul com uma cara de gatinho;

Os CDs de cantigas de roda;

O Livro do Lobo que gosta de fazer medo.

Os álbuns de fotografias;

Os primeiros cadernos um de desenhos outro de caligrafia.

Uma fralda de pano com àquele cheirinho, que nunca será esquecido.

Relembrei com imenso carinho:

O primeiro choro;

O primeiro engasgo:

Os primeiros passos;

A primeira palavra – Papai.

As gargalhadas;

Os porquês das palmadas;

As frases engraçadas;

E os fatos curiosos.

Chorei:

Quando o grande furgão chegou...

E pranto se despejou:

Pelas vidas separadas,

Tal qual folhas soltas ao vento,

Ignorava que rumavamos para o futuro.

E disso somente me dei conta quando com voz de anjo meu pequenino ao meu redor cantarolava a cantiga que lhe compus. Um segredo nosso, para o medo afastar:

- Chuá, chuá.

Assim faz a chuva no telhado a se derramar;

Agora ouça, é o trovão, metido a feio a trovejar.

Mas, o medo, pra quê?

Se tu podes comigo contar e cantar.

Anda, apura-te!

Vamos lá fora esse medo afugentar

Chuá, chuá...

Estás vendo é apenas a chuva a terra a lavar

E o trovão, metido a feio, a assustar àqueles que,

Não querem com a natureza colaborar.

E o medo, cadê?

Apura-te!

Volta já pra cama, a descansar.

Chuá, chuá...

Ao ouvir, o meu pequeno anjo, meu coração se aquietou.

Contudo, em minha profunda tristeza, embora, tímida uma só lágrima dessa vez, ainda, se atreveu.