Elogio

I. Pirólise

Eu me visto em tarmacadam e vinil,

Enfeitado em borracha, látex e agulha

Eu me dou em betume e carne moída,

Que frito funda e a largo nesta gasolina

Os meus fumes dão nos olhos do mundo,

Onde fervo e cheiro,  —  eu arregaço

Esta janela estúpida que não dá na tua,

Mas neste cotidiano de noites interrompidas

Sons de repente, os gritos de fora,

O bater do maquinário inconveniente,

O subir e gemer intermináveis dos homens, 

Que não servem a propósito algum

Que não o leitmotif de me manterem acordado

E engolido neste asfixiante alcatrão difuso,

O toldar de rótulos limítrofes: de cafeína à estricnina,

Mas longe do sonho rarefeito da tua voz fina

Tua forma

Tua mistura

Tua perícia

Tua fantasia

II. Canto

Assim, eu preferia que me odiasses,

Que só aí me escreverias como escrevem-se amantes

Acho que me preferiria se me amasses

Acho que detestaria que me amasses

Que só me detestando e te fazendo nojo

Eu dormiria em teu sono agora sem sono,

Onde noturnamente, como eu, rolarias

Queria ser dono deste teu sono

Dono da tua forma

Da tua mistura

Da tua perícia

Ser dono da tua fantasia

Ah, a tua fantasia

Tão leve

Tão linda

Tão distante da minha

H Reis
Enviado por H Reis em 13/04/2022
Reeditado em 13/04/2022
Código do texto: T7494004
Classificação de conteúdo: seguro