Autognose Dostoievskiana

Quando as adversidades tragaram a esperança, não emudeceram a minha arte. Mesmo cativo, liberto esteve o espírito que invocou a inspiração para o baile da reflexão dorida entranhada no desassossego de mim mesmo. Pobre é o esquecimento ante o tormento que se fez necessário à ascensão do homem que, visionário, aceita de bom-grado a cruz que lhe foi imposta injustamente. Ser escritor seria, então, ser detentor da incapacidade de sucumbir às inverdades?

A incumbência do artista que lida com a escrita e vive o desagrado intrincado no viver, é jamais enlouquecer, senão, a sua arte poderá esmorecer. Vale a pena suscitar o fulgor da experiência e recriar uma realidade que, ficcionada, desnude as aparências que confortam as vãs diligências. Ser humano é ser frágil, e por nada ser, humilhado se é pelo simples fato de viver. Minha crueza mortifica quem facilmente se irrita mediante o vislumbre da insignificância de si no reflexo da vida.

De tanto carregar o fardo da existência, compreendi que não podia escrever romances com floreios infantis. Maturado estou para não expor a dor, o remorso, seja lá o que for! Apenas me renego a falar daquilo que não me tocou, e, assim, convencido estou. A morte, mesmo torpe, é menos desumana que a maldade aflorada na mente humana. Eis a verdade que afana as quimeras estranhas dos indivíduos que, há muito, jazem na lama.

Jeane Tertuliano
Enviado por Jeane Tertuliano em 08/05/2022
Código do texto: T7511886
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