Um inútil

Há em mim tantas lembranças de uma época ininteligível para quase todos, inaudível, mesmo em grito, aos surdos. Há em mim tanta saudade de um vazio não metafísico, tenuamente indiferente ante a toda conceituação, surda e muda frente a língua. Há em mim cada filosofia não dita no declarado, não ouvida no expresso, não apalpado e absorvido no convexo. Cada ampliação intuída e descrita nos mínimos detalhes defronte o abismo do eterno não ser. Cada metáfora morta em um ritmo morto de um coração vazio. Vazio frente a estupidez humana, o idiota. Cada declaração aparentemente estapafúrdia, pois não se fizeram ouvidos atentos as referências de alta cultura. Tudo isto para nada, para o assombroso e aterrorizante nada. Cada tentativa de esvaziar este que ao meu ver algo deve ter é inútil, inútil como estes versos, inútil como tudo. Como as velas de um cemitério fiz-me enérgico no pálido e gélido céu ao tato frio de uma rocha sem nome, o alicerce de todos eles, mas sequer nome meu naquela lápide se encontra. E como verme apegado a sórdida e mesquinha solidão sem nome por um amor deveras fantasioso de um ideal também sem nome, morri nisto tudo e isto para construir o nada mais nada que ele, mais nada que tudo isto, uma promessa, apenas uma promessa de algo dizer. Ah como sou sozinho, sozinho em minha prisão imaginária que nada me responde. Responder-me-ia? Para que? Para que há de tudo isto me dizer um nome? Para que cada signo este, indicial, ou simbólica sem seta e objeto? Ou, quem sabe, apenas com uma localização abstrata de algo dizer, como nisto tudo que fiz-me processo e ousei acentuar uma pausa para apenas tomar posse de uma sensação de algo dizer. E a cada grito que entrego ante o palco do abismo (absurdo), morro mais em mim ou diria para mim? Que seria este mim? Cada ato é um plano menor a concretizar e a cada plano mil outros aparecem e eu me perco (como perder a mim mesmo?) só para me encontrar novamente, mais uma vez, no vazio até então inexistente, para posteriormente ser o não ser não mais enquanto. Ah inútil vida de nada dizer, silêncio abismal de meus demônios, vontade insípida e sórdida de morder a todos com a mesma língua que amaldiçoa os tão sublimes nomes ao proferi-los inutilmente. Mas nem mesmo me julgo o maior dos inúteis, nem mesmo me julgo digno em alçar até este título, me contentei em ser apenas um dos "inúteis menores", um nada a escrever versos.

Oaj Oluap
Enviado por Oaj Oluap em 08/08/2022
Reeditado em 08/08/2022
Código do texto: T7578128
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