Palmeirense desde criancinha!

(Ao Cleber e à Maiara pelo meu primeiro jogo do Verdão em campo e desejando que estejam bem)

(Ao papai, meu Palmeirense mais intenso, bom, de princípios e risadas)

Num sábado (2/2/2008) que tinha tudo para ser comum, estando na cidade e casa de minha mãe, recebo a ligação de uma sobrinha de Bauru, me convidando para ir assistir o jogo Palmeiras X Noroeste. Achei a ideia boa desde que arranjasse companhia. Liguei pro meu irmão, palmeirense roxo, pro meu primo, minimamente interessado em futebol. Quando já havia desistido, esse primo me liga de volta e informa que o hóspede dele e a mulher, adorariam ir! Nunca havia ido ao campo porque meu pai não ia, pois trabalhava sem trégua, e muito menos, incentivava a fazê-lo.

Tudo planejado, dirigi de Jaú para o estádio Alfredão (Alfredo de Castilho). Lá chegando encontramos minha sobrinha que me informou que iríamos nos sentar do lado do Norusca! Eu fiquei decepcionadíssima e até zonza. Foi então que meu novo amigo tomou todas as providências para que fossemos para o lado da torcida do Palmeiras. O rapaz vindo de Mato Grosso do Sul, nos conduziu com segurança para o acesso do lado oposto. Observando que a área coberta reservada à torcida do Palmeiras estava meio vazia, ele dirigiu-se até o policial, explicou de forma bem simples o problema de saúde pelo qual passava, e ressaltou o fato de que estava com duas mulheres, e nós três pudemos entrar e escolher nossos lugares à sombra.

Estava maravilhada! Nem imaginava quantas lições iria ter num sábado de futebol.

Quando o time entrou, fiquei chocada, pois os jogadores eram muito mais novos do que na TV, e além de garotos, eram baixinhos e frágeis. Falei alto sobre minhas impressões e meu amigo sorriu.

Quando a partida começou, de cara compreendi que não conseguia acompanhar o jogo, era tudo muito rápido e muito distante. Meu amigo percebeu, sentou-se ao meu lado, e apaixonado por futebol pois foi jogador em sua terra natal, sabia tudo, mesmo sem ser palmeirense. Narrou o jogo inteiro, mostrando-me onde era o gol do Palmeiras, comentando pontos positivos e negativos de cada jogada, a lógica das passadas de bola, os nomes dos principais jogadores e me preparando para o que eu achava impensável: o Noroeste poderia ganhar o jogo.

Um homem jovem, vestido de escritório, do nada, se levantou, aproximou-se do jogador de nosso time que ao posicionar-se para um arremesso lateral, caiu e levantou-se rapidamente, mas, foi suficiente para provocar a irritação do torcedor, que gritou a plenos pulmões: “Barbie! Barbie! Nem pra bater lateral serve! Vocês nos custam caro, viu?” Olhei para meus companheiros passada, e meu amigo me disse, “ele não mentiu, são bem pagos, e ele está nervoso porque não estão jogando como o esperado”. Lição número 1, vi que o jogo pode ser uma válvula de escape, uma verdadeira catarse, com direito a xingar e gritar, o que de alguma forma compõe o espetáculo. Outros homens que chegaram sozinhos, passaram logo a conversar animadamente com o jogo acontecendo, bateram seu papo do dia, quase uma sessão de terapia!

O Palmeiras perdeu o jogo, como meu amigo havia previsto. Fiquei arrasada. Meu primeiro jogo num estádio. Meu time.

No entanto, subindo as escadas, estava atrás de um senhor que com muita serenidade consolava o filho e o neto cabisbaixos: “é assim mesmo, o jogo se ganha ou não, a gente dá força para o nosso time comparecendo, e agora vamos pensar em voltar para São Paulo pois chegaremos à noite.” Sensibilizou-me demais essa lição, pois, se um senhor e sua família aceitam o resultado, e terão pela frente, horas de viagem, mesmo um tanto frustrados vão em frente. Pensei: devo aprender a ser torcedora.

Na nossa volta com uma parada para um lanchinho, soube mais especificamente que meus parceiros de partida enfrentavam um momento muito difícil na vida deles, e que a ida à Bauru significou ver uma partida de futebol que é paixão dele, o sair de casa, e foi um dia excelente para eles, e para mim, extraordinário. Cleber é Fluminense! Hoje, 27/8/2022 ocorreu empate entre nossos times, e isso me inspirou contar esta historinha.

O Palmeiras é parte de minha vida desde pequenina, e papai, palmeirense desde sempre, tentou me ensinar o hino:

Quando surge o alviverde imponente

No gramado em que a luta o aguarda

Sabe bem o que vem pela frente

Que a dureza do prélio* não tarda!

*Prélio = luta, combate

E o Palmeiras no ardor da partida

Transformando a lealdade em padrão

Sabe sempre levar de vencida

E mostrar que, de fato, é campeão!

Defesa que ninguém passa

Linha atacante de raça

Torcida que canta e vibra (2x)

Por nosso alviverde inteiro

Que sabe ser brasileiro

Ostentando a sua fibra!

Disse a ele que era muito difícil. Então, ele cantou essa, e eu nunca esqueci:

“Palmeiras, Palmeiras

Equipe orgulho da torcida brasileira

Levanta o seu topete

Bate a bola e pinta o sete meu periquito Real

És o símbolo da vitória

Na bandeira tens o verde da bandeira nacional

Periquito da vitória

Palmeiras!

Palmeiras!*

Antes e depois do jogo o telefone de casa sempre tocava: eram os amigos corintianos do papai provocando-o com mensagens agourentas de que o Palmeiras perderia ou, se o time perdesse, ligavam para enviar ironias e risos. Ele resmungava alguma coisa, desligava logo, e já fora da ligação soltava um bom palavrão que era reprimido pela mamãe. No entanto, nunca soube de qualquer desavença que envolvesse algo sério, ou mesmo marcante, de brigas no futebol. Ali o futebol era caso de paixão e emoção. E quanta emoção!

Nos anos 70, domingão com jogo do Palmeiras, papai e meu irmão à postos, em frente à TV, pipoca pronta, uma tensão no ar. Para mim, a atração estava naquela cena: na sala, a TV ligada, papai em sua cadeira de balanço, meu irmão na ponta do sofá bem próximo ao papai, e eu também no sofá, assistindo o show dos dois. Não perdia um jogo do Palmeiras porque era show na certa. Havia um ritual: comentando sem parar as expectativas e esperanças, falando dos jogadores e estratégias, animação, saudações de “Avante Palmeiras”, revendo a escalação, os dois falando quase ao mesmo tempo. Um prelúdio.

Se o jogo seguia favorável, risadas, incentivos, demonstrações de orgulho e confirmação da torcida que canta e vibra. Mas, quando o jogo não fluía, empatava, ou se perscrutava a derrota, começavam os bufos, os bicos, as mãos calando a boca, os braços em riste, e as ameaças ao próprio time “quem não faz leva", E em seguida, surgiam críticas ao time adversário, ao juiz, ao bandeirinha, e sobrava uns palavrões. Uma vez, mais que em outras, num ato de desespero e revolta, papai se levantou e passou a atemorizar o próprio time, dizendo bem magoado: “Não vou mais assistir. Pra mim chega. Não vou nem olhar. Vão todos pra...”. Ocorreu que ele de pé, afastou-se da TV de costas, mas tinha a cabeça completamente girada, olhos atentos no jogo, sem perder nenhum lance! Para mim essa cena cômica, engraçadíssima pelo chiste da promessa não cumprida, me fez gargalhar. Em seguida sentou-se bem mais calmo e viu o jogo até o final. Um espetáculo.

Quando o Palmeiras ganhava papai deslizava pela casa, e seu já excelente bom humor, multiplicava. Quando o nosso time perdia, eles discutiam várias vezes o que poderia ser a causa. Daí ficava tristonho, não sorria, e em meus cálculos a duração era de umas 3 a 4 horas. Devagarinho o sorriso ia voltando, pequeno, mas voltava. Lembro-me muito daquelas tardes de domingo. Como eram divertidas! Tinha drama, farsa, monólogo, comédia! O drama no limite cardíaco (escreveu alguém), bem à italiana. Quanta saudade!

Buscando as músicas do time, me deparei com o artigo de Leandro Beguoci 19/8/2014**. Artigo encantador, que descreve muito bem e em essência o que observei uma vida toda em meu pai palestrino. Explica Leandro: “O hino é uma carta de princípios e um resumo do torcedor. No caso do Palmeiras, está tudo lá: o Palestra é uma performance. O Palmeiras tem tantos sucessos e fracassos quanto qualquer outro clube. Mas os torcedores do Palestra têm a incrível capacidade de transformar cada um deles em um épico ou em uma tragédia grega. Uma ópera do século 19, digamos assim.” E não é? E o autor continua: “...palmeirenses esperam de cada jogo uma experiência transformadora, conduzida por personagens memoráveis... gostam de pessoas que são mais do que jogadores – gostam daquelas personas de teatro. Até poema o Ademir da Guia virou.” E completa com o que acredito ser a chave mestra dessa caracterização: “...a relação entre torcida e time expõe um bocado a dor e a delícia de amar o Palestra. É um time, para o bem e para o mal, que não conhece sentimentos mornos. Tudo precisa ser absurdamente intenso na vida da torcida que canta, vibra e se emociona como se não houvesse amanhã.” Nossa Leandro!

O Dudu esteve no Clube de Campo do qual meu pai foi sócio fundador, e meu pai aparece ao fundo numa foto que tiraram do ídolo. Ambos já bem velhinhos. Nesse Clube que frequentou uma vida inteira e adorava, no tempo em que jogava pelos veteranos, fez um gol fantástico de barriga, muito comemorado, e eu assisti, claro.

Nos anos 70, se ouvi que o futebol era alienante politicamente, e que cabia somente a luta contra a ditadura. Eu tinha isso um pouco comigo, mas titubeei, porque nunca foi o que vi em minha casa, onde meu pai tinha consciência política, me ensinou a ver o mal que os imperialistas causavam ao nosso país e mundo, esboçou-me a luta de classes, e incentivou-me a não ter medo de lutar contra autoritarismos.

O Palmeiras eu não esqueço, embora não tenha nem noção dos campeonatos, vejo os jogos, torço, para estar bem pertinho da alegria e emoção dos tempos que o assistia torcendo pelo Verdão. Os jogos poderiam passar numa TV de maior acesso, o futebol é um jogo muito bonito. O povo deveria poder acompnhar!

*Sobre o mascote do Verdão, os mineiros do Titulares do Ritmo, já na era Palmeiras, também fizeram sua homenagem ao clube em 1959 com a marcha “Periquito Real”-

Radio Cultura Brasil 12/7/2012. Disponível em: http://culturabrasil.cmais.com.br/especiais/jogada-ensaiada/verde-que-te-quero-ver-3

** Como as óperas do século 19 explicam a torcida do Palmeiras. Leandro Beguoci. 2014. Atualização 2021. Disponível em:

https://trivela.com.br/brasil/como-operas-seculo-19-explicam-torcida-palmeiras/