Sangue latino

Ontem sonhei com Maria Bethânia. Ela cantou uma música, inédita, disse que eu só iria lembrar do refrão. Contei para ela que uma amiga minha disse que eu invento esses sonhos. Ela disse rapidamente e muito séria: "então ela não é sua amiga".

Contei para ela que tenho me desiludido com a amizade, desde 2015. Não são aquelas amizades seladas no ferro e fogo, oriundas de sobrevivências de tiro de bala, de tiro de canhão das tristezas (tenho destas em número ínfimo). São umas pessoas que aparecem e desaparecem.... Observam, observam... e desaparecem.

Inútil dizer para alguém o que se passa, porque não passa de buscar ombro e tapinha nas costas. Não é assim que a dor desparece. Aliás, dor não desaparece. Não, essas que se assomam às indiferenças, à presença distante do que se quer ouvir, à voz que não diz, na soma de todos os cansaços (acho que isso é verso de poema).

Mas hoje, hoje a dor é infrassom. Começou ontem, invadiu o coração, desestabilizou o fio que faz ligação com a parte do cérebro onde a gente consegue força. Diz que para a gente mover músculo tem que estar com o cérebro em dia. Tive insônia. Penso que a insônia enfraqueceu essa área, hoje em específico.

Saí ouvindo um zumbido nos ouvidos. Sensação de que alguém me chamava. Mas aqui? Nunca aconteceria isso.

Foi interessante. Falavam direitinho meu nome, inteiro. Talvez tenha sido meu anjo da guarda, me acenando ter atenção com as motos e seus motociclistas amalucados, chê!

Hoje o dia tem sido sem adjetivo que explique. Onde a gente tem mais força? Na cabeça? No coração? Nos músculos? Dizem que a super força é da mente. Dizem que dentro de nós, somos mega fortes. Os cientistas estão pesquisando faz tempo. Tem lançado uns artigos por aí, nas revistas científicas.

Mas essas pesquisas vão para o lado físico-corporal do assunto. O pessoal da psicologia e psiquiatria, estão buscando a super força da mente, no sentido de querer ser forte contra montes de problemas da emoção, sentimento etc. Essa parte é que me interessa também.

Para Kardec, tá tudo nos estudos do Espírito. Também vejo uma boa parte aí sim. Mas não abro mão da Poesia e do Jung. E agora com as Constelações, Terapias Integrativas etc. vou me consolando com a esperança, de que um dia, a humanidade inteira seja sanada. Sanada de ferir, de se ferir, de amar e desamar, de ser indiferente. Sanada por si mesmo, por Sananda...

Mas sabe o que doi mais, no meu interessante ponto de vista? A indiferença. Na minha opinião, ponto de vista, enfim, doi muito mais que um balaço. Isso é dado de pesquisas e concordo. Porque a indiferença vai comendo a margem de sua dignidade. Aos poucos. Você não nota.

Ferreira Gullar disse que até os mendigos cobram atenção. O poeta presenciou uma discussão entre dois "mendigos", na porta do prédio em que morava. Ele descreveu que um deles dizia, cobrando: "olhe para mim, enquanto falo com você". Impressiona a narrativa do poeta, veja no documentário Sangue Latino (sempre levo para minhas aulas).

O poeta diz que quando você despreza uma pessoa, você está ferindo essa pessoa profundamente; ele traz o exemplo dos relacionamentos. Gullar ainda diz que a gente não mora num País, numa Cidade, a gente mora em nós e na amorosidade, afetividade, no respeito do outro. Na visão existencialista, o inferno são os outros, ele me julga, me coisifica. Mas na visão humanista, o outro tem que acolher, o outro dá sentido ao que a gente faz. O valor é o outro (fica a dica, assista ao Documentário).

Não sei como terminar essa carta. Até acho que dá para colocar numa garrafa e jogar em alto mar. Poderia talvez, terminar com um poema, mas o poema, se quisesse ser escrito, teria vindo antes dessa tão dorida, prosa.

Solineide Maria

Luanda, 7 de Novembro de 2022.

Solineide Maria
Enviado por Solineide Maria em 07/11/2022
Reeditado em 07/11/2022
Código do texto: T7644561
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