*Gosto de quero mais

Ela sabia fazer misturas simples naquele fogão a lenha. Acordava muito cedo, escolhia a lenha ideal para fazer labaredas ou brasas e começava a alquimia naquele caldeirão de fundo preto e gasto de uso e fumaça.

Lembro com água na boca do gosto único do arroz de leite, da canjica, do mugunzá, da pamonha, do manuê. O manuê era um bolo de milho e coco feito com o calor do fogão a lenha e as brasas sobre a tampa da forma. Ela fazia a massa e antes de deitarmos pra dormir, ela punha pra assar no calor das brasas. Quando acordávamos o manuê estava pronto sob as cinzas, pronto para acompanhar um café delicioso!... Fecho os olhos e posso sentir o aroma de coco, cravo e canela...

A panela dessas iguarias era sempre disputada entre os irmãos para raspar o que “pegou” no fundo. Ali, sentados no banco rugoso do alpendre, de panela e colher à mão, o sabor se completava.

Lembro da manteiga de garrafa que ela fazia das natas coletadas durante a semana da coalhada que ela separava para meu pai. Da borra que ficava na panela, ela fazia um mingau com farinha de mandioca que chamávamos de onça. Era delicioso!

No dia da feira ela fazia milagres com o pouco dinheiro e diversificava carne de terceira com toucinho. E fazia suas misturas e divisões à mesa de modo que todos tivessem a mistura justa no prato. Quantas vezes a vi dividir um ovo pra quatro e ela ficava com a raspa da panela.

Lembro sobretudo, de sua criatividade, de truques pra disfarçar a falta de farinha, a carne seca do sol: rubacão, feijão com cuscuz... Era tudo tão saboroso que nem percebíamos suas porções mágicas de amor, sabedoria e resiliência.

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ANA CÁTIA BARBOSA LIMA
Enviado por ANA CÁTIA BARBOSA LIMA em 29/11/2022
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