Exéquias

Em meu velório só quero eu e o infeliz coveiro.

Eu, por estar morto. Ele por ter a obrigação de enterrar-me.

Não quero mais ninguém!

Choro e lágrimas? As guardem para outros que as mereça mais.

Faça o favor de não avisar a minha mãe.

Caso pergunte por mim, diga que fui longe. E não disse para onde.

Melhor poupá-la da horrenda dor de perder um filho.

Dor essa que conheço.

Não avise na igreja, no trabalho. Se meu chefe perguntar? Diga que estou de férias.

O cabeleireiro? Fale que virei hippe!

O homem do açougue? Vegetariano!

O padre? Fui para outra paróquia!

Não quero ouvir meus filhos chorarem a minha morte. Melhor ter um pai vagabundo. Sai de casa para morar na rua e talvez um dia volte arrependido pedindo perdão. Ou: foi comprar cigarro e não voltou! "Mas ele não fuma!" Aprendeu ontem.

E por que saiu de casa? Loucura! O homem que deixa sua bela esposa e filhos e vai à rua está cego da razão. Diga que me viram puxando um vira lata por aí...

Não precisa de flores. Caixão o mais simples. Se não tiver vaga no mausóleo, entre os indigente não irei reclamar.

Só não quero que ninguém saiba que morri. Porque não quero morrer.

Pedro Cara de Leão
Enviado por Pedro Cara de Leão em 04/01/2023
Reeditado em 03/03/2024
Código do texto: T7687021
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