SALINO

A força que eclode de um momento doloroso nem sempre é compreendida ou tátil. Pode ser facilmente confundida com a debilidade quando desliza úmida e salgada sobre os músculos da face. É frequentemente interpretada como desespero quando se movimenta em uma gargalhada, ou é vista como arrogante se opta por permanecer em silêncio.

Os braços tesos nem sempre se desdobram ante a possibilidade de um abraço consolador. Tampouco as mãos sentem a obrigação de tanger dedos amistosos e complacentes. A aspereza é defesa quando a ferida aberta se origina da falsa ternura alheia. A vida continua, no entanto, o coração possui um mecanismo que segue o seu próprio tempo rumo à superação.

A mágoa é como uma palavra engasgada na garganta das emoções, mas, percorre livre as páginas viradas de uma história encerrada que ainda ecoa pelos becos de uma memória vívida.

As expectativas, incrédulas e malogradas, flutuam sobre a espera do ontem como se lhes fosse possível reverter a ferrugem nas engrenagens da suposta perfeição. As retinas fitam a ruína das fantasias como a criança que subitamente cessa os passos e presencia as rodas da vida a atropelar a beleza da ingenuidade. As cortinas não podem impedir a entrada da luz para sempre. Um dia as janelas precisam ser abertas e algumas vezes, ao abri-las, salta à face a brisa de uma tarde nebulosa.

A realidade é cárcere – aprisiona a intensidade das cores bordadas nos lençóis do contentamento, mas, o sentimento de felicidade que aquece os sonhos é um tecido grosseiro ao contato com a pele e corre o risco de rasgar-se a qualquer momento. Há quem feche os olhos a fim de ignorar o desbotamento das satisfações: assim a normalidade é absorvida e inventa-se o êxtase da emoção (o conforto premente e imediato em fingir crer na eterna permanência do que é prazeroso). O fato é que a força, costumeiramente, é menos bela do que a concebemos, pois advém de uma fuga, de uma embaraçosa descoberta e é fruto da luz impactante de uma dor.