Essa é apenas mais uma (Noite Solitária)

Ela corre pela avenida. Não olha para trás, muito menos para os lados. Não encara ninguém. Um apressado vulto. Para frente. Não sabe o caminho. Poupa-se de ambiguidades. Respira fundo. Apoia-se ao poste para recobrar o fôlego. Falta-lhe ar, um ponto de apoio. Bloquearia as memórias recentes, a capacidade de confiar, se possível fosse. Fecha os olhos e as malditas imagens estão lá, plantando ervas daninhas no jardim da harmonia, criando vida, arrancando a esperança. Nada pode contra isso. A dor lançou-a de volta às trevas.

Desvia dos carros, dos buracos, da curiosidade. Taverna aberta, um refúgio do alvoroço. Alguns trocados no bolso. Adentra como se ali fosse mais uma vez seu lar. Em um cubículo qualquer imerge ao amargo queimando a inocência. Desacostumada, certamente.

Esqueceu-se das rezas ensinadas pela saudosa mãe. Gostaria de em seus braços atirar-se como nos velhos tempos quando aqueles pueris tombos a desesperavam. Perto de hoje, apenas motivo de suspiros. Na ausência de conselhos reflete-se a tortura enquanto a visão diminui e amortecidos mantêm-se os questionamentos. Gutural revolta enquanto encolhe-se para que chore em silêncio. Adoraria desaparecer e jamais divulgar o paradeiro ou apenas dormir sem dar mais satisfações.

Uma moedinha custeia o sádico. Aquela música. O pingente a portar na palma da mão. O primeiro presente. Ali começava uma nova era, pensou ela, tão tomada pela pureza de ser amada pelo que realmente era. A única, enfim. Como todas devem ser. O anel de namoro. Mais uma lágrima refutada pelo ansioso dedo indicador que a enxuga, ainda que ninguém ali a veja, de fato. Os negativos das semanas queimam-se no cinzeiro da desilusão.

O verão acabou e as ondas de realidade afogaram as juras que se amontoaram ao depósito de inverdades contadas para enganar. E caiu nessa maldita teia de sedução, se é que se pode classificar assim. Nunca enganou. Fiel permaneceu ao que viveu, não mais fazendo do passado um mantra. As juras se amontoam entre as hemimetamorfoses. Lentamente fecha a mão. Escorre a resistência. Começo, meio e fim. História não escrita.

Ele se foi, em outros braços se encontra. Em outro amor a dor canalizou. Quaisquer atalhos impostos a trouxeram até ali. Jamais choraria diante dele, nem de ninguém. Promessa. As outras quebraram-se mesmo, tal como a confiança selada com um beijo. Não deveria ser tratado como brincadeira, uma vez que não são mais crianças que beijam por curiosidade. Prefere não conversar, não voltar, nem mesmo ir.

Dois amores. Nenhum deles agora. Garçom, garçom, mais uma dose, por favor. É a última, se houver amanhã. Hoje já foi. Não sabe que horas são, nem lhe interessa saber. Que os ponteiros arrastem-se ou simplesmente parem, sem explicação. Que ninguém - isso é, se alguém se importar - a pergunte aonde esteve. Lábios cerrados. Já é o bastante, não insista. Foi o que aprendeu com as noites solitárias; esta é apenas mais uma.

Curitiba, 25 de agosto de 2012.

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 13/04/2023
Código do texto: T7762992
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.