Minha tez negra

Oh! Inclemente cor que a muitos desatina,

Porque deveras causar assim a tantos,

Olhares desconfiados de nojo, medo ou espanto,

Que afastam eles como se fora eu doença que contamina?

Acaso pedi para ser destaque de algum mal?

Clamei por ser sinônimo do que não presta?

Como me comportar em tudo que me resta,

Se me tratam como um ser desigual?

Pois, se curvando para baixo a cabeça,

Acreditam ainda que tramo algum perigo,

Se olhar de frente, sou alvejado como inimigo,

Se prá cima eu mirar, presumem que algo ruim aconteça.

Ah! Essa impressão de luz absorvida pela retina,

Quanta aversão por esse antagonismo físico,

Onde definem subliminarmente como um ser tísico,

Desprovido de valores qual uma cafetina.

Acham-se tantas vezes diferentes e melhores,

Exploram-me da vida o desânimo e o cansaço,

Em ter em mim sentimentos que remete a essas dores,

Por consumir esse desprezo e descaso.

Pagam majoritariamente a míngua meu árduo braçal trabalho,

Donos e senhores únicos desse mundo contraditório,

Não admitem me equiparar no bruto feito do severo labor diário,

Com algum semelhante por vezes desventurado.

Inaceitável comparar por ter alguma instrução superior,

Imaginável ter recursos monetários por causa de natas habilidades,

Intangível pensar que este ser poderia ao menos interpor,

Indescritível forma de conviver em paz dentro de meras possibilidades.

Tudo causado por um pigmento epidérmico,

Acorrentado a um destino cármico.

Hoje avançados no “pseudo” entendimento comportamental,

Temos que ser engolidos por uma convenção constitucional.

Porém não existe lei no âmago do que sente a alma,

Isso reflete no corpo e volta ao ciclo dessa narrativa,

A constatação está aí... Nua, crua e alva,

Transborda em cântaros dessa evocativa.

Andem pelas favelas, palafitas e guetos,

Andem pelos caminhos mais miseráveis que puderem,

Visitem as salas, elevadores e subsolos de serviços além dos becos,

Visualizem a densidade cutânea dos que ali se servem.

Nada de questionar além do permitido ao “ser vivente”,

Podes respirar, servi-se de um gole d’ água de rejeito,

Mas não se compare, apenas sirva o humano dominante,

Pois que deve obediência a essa gente de mui respeito.

Os navios tumbeiros foram desativados, “quase verdade”,

Suas antigas “cargas” hoje foram deslocadas para campos e cidades.

A logística moderna dos enlatados,

Testifica a recomendação aos novos gados.

Ah! Salve o mundo novo,

De segregações e injúrias agora também em tecnológicos e portáteis portais,

O de sempre ainda é vigoroso,

Ah! Essa minha culpada tez negra; que pecado tu conduzes por seres diferentes dos demais?