Manifesto a uma paternidade

Agora no meu canto, quase sem forças, sem muito ouvir o mundo falar e sem a sutileza da visão, fico ao meio sem saber a direção da porta pra sair ou ficar, me esqueço até do que vim falar. E meio perdido, me apoio nos frágeis braços pra poder no chão me assentar.

Em concreto e madeira ainda consigo o solo identificar. Tateando, tateando escoro a cabeça na parede esmaecida, com o cachecol branco e preto em volta do pescoço, pra dissuadir o frio, dessa região, que jamais imaginei estar.

Com as mãos trêmulas, luto pra segurar o celular com jeito pra ouvir , os áudios das pessoas a me parabenizar, pelo dia dos pais e de tanto, que me parabenizaram, comecei a lembrar.

Em clara manhã, de um certo abril, sob a sombra maviosa das árvores, cortejadas pela brisa do rio Amazonas, tinha no meu colo uma luz, que vinha abrilhantar a minha vida.

Ali, entre fraudas, alfinete, sob um cheiro de talco pom, pom e sabonete, adormecia em meus braços, abria os olhos pra me ver e por causa do sol fechava. Eguia os bracinhos e pézinhos, a boca abria e bocejava. Era você tão linda menina, branquinha, com os cabelos castanhos claros e curtos, quem se espreguiçava.

Ainda nem sabia o que fazer, mas naqueles segundos te cheirava, cantava qualquer coisa, Quando do nada te empereasse e começasse a chorar. Estava na hora da mamada e subindo as pressas a escada fui a tua mamãe , te levar.

Só pelo cheiro a identificastes, como um bom petisco voraz abocanhaste os seios maternos, a brincar com os pés lá no alto, até que fazendo pose, adormecestes.

Foi aí, que olhando aquela imagem me voltei a alguns dias , chegando do trabalho . A mãe assentada em agonia, com falta de ar me pedia, água com açúcar , que segundo ela resolvia.

Sem muito saber o que fazer, marinheiro de primeira viagem, sem os avós por perto pra ajudar a acalmar, como sempre fazia me deitei ao seu lado e com as mãos sobre aquela barriga, numa simbiose, de mãe, pai e filho, como a semente na terra, em contato com a água e o ar, aquela natureza divina, querendo sair, sem paciência, se inssurgia. Ai quando eu tocava a pele da barriga, que alegria. Eu daqui, tua mãe ao meio e você do outro lado, interagia, respondia, em suas palavras, mesmo sem saber dizer, já me dizia...

- pai, amo você.

Agora, que a chuva lá fora cumpre os seus designos, com dificuldades tento lembrar, quando trocava as tuas fraudas, quando deitava na rede a cantarolar... quando deitava na rede a contar histórias e te fazer dormir por causa dos relâmpagos ou trovões

a te acalmar.

Antes que me falhe a memória, ainda consigo lembrar o teu primeiro dia na escola a chorar. Arredia, pelo canto não queria ficar, quando fui acionado por tua mãe e cheguei, tu correste, como a fugir de medo, de algo que não conhecias e na entrada do portão escolar soluçando me abracaçaste. Olhastes nos meu olhos e disseste:

- papai, me leva pra casa.

Ah...o tempo passa. Você cresceu e embora eu não tenha mais a mesma vitalidade, bem sei, que és a luz da minha cidade.