Olhos verdes e desejo

Fixou o olhar num ponto entre sua íris e o objeto mais próximo. Imóvel. Ficou ali por alguns instantes. O pensamento não. Esse correu livre por lugares impossíveis. E não reconheceu o tempo. Passaram alguns poucos minutos. Pareceram horas inteiras. Tanto aconteceu. Olhares se encontraram. Corpos se tocaram. Perfumes foram sentidos. O tato foi explorado. As mãos percorreram pedaços jamais antes tocados. Os rostos se aproximaram. Ela enxergou olhos verdes. Ele enxergou desejo. Os dois provaram sabores antes tanto imaginados. Foram de si por tanto. Passaram minutos, horas, dias, meses, anos. Foram de si por tão pouco. Não ofereceram garantias. Não sequer se ofereceram de verdade. Apenas o suficiente pra deixar resquícios. Vestígios que agora carregam até quando a memória deixar. Até quando a culpa pesar. Por onde estiverem, em qualquer lugar. O objeto mais próximo era uma taça. Fixou nela agora o olhar. Voltou a si. Encheu a taça. Engoliu uma lágrima junto com a bebida. O vinho desceu salgado. Não tinha o mesmo sabor daquele que foi bebido sozinho. Não era rosé. Tinha a cor da dor que sentia. Era escuro, assim como o que carregava dentro de si. Queria gritar. Ouviu o silêncio. Encheu o pulmão de ar. Soltou em um suspiro cansado. Fechou os olhos. E viu tudo de novo. Dessa vez sorriu, enquanto outra lágrima se formava. Era falta o que sentia. Saudade que doía. E que vai doer sempre. Pra sempre. Porque havia criado seu melhor personagem e sabia. Sabia que com ele o papel principal da ficção mais bonita dividia. E sabia que viviam num tempo que não existia. Sujeitos de um pretérito mais que imperfeito.