APRENDI O SEGREDO DA VIDA

Era mais uma daquelas pacatas tarde de verão. Fazia calor e também ventava. Eu estava contemplando o mundo sentada de frente a um córrego que desaguava sua força sobre as pedras até que elas tocassem o chão. Um chão que já não era mais chão. Era um córrego e também era uma cachoeira. Era uma coisa que se transformava na outra sem perder a singularidade. O reflexo da água no paredão da pedreira só podia ser poesia divina. A humanidade não chegaria tão longe. Criamos as máquinas, a tecnologia, a bomba atômica e toda a poluição visual e sonora da cidade. Construímos os arranha-céus, mas a água que corre entre as pedras e ainda reflete a luz do sol nas paredes do mundo só pode mesmo ser coisa sublime. A água, ela sim, com toda a sua sabedoria da acestralidade da vida e do porvir dos tempos, verdadeiramente se aproxima do firmamento. Reflete dentro de si tudo o que existe lá "em cima". A lua, as nuvens, as estrelas... até mesmo toda aquela cor azul cabe dentro dela. A natureza-arranha-céu pode tocar o infinito.

E eu estava ali, com toda a minha pequenez humana, coexistindo com tudo o que estava fora e dentro de mim. Isso é absolutamente divino, metafísico, poético, filosófico, inefável (...) Por um segundo de descuido ou confusão dos astros, descobri que o segredo da vida estava logo ali na minha frente. Na água corrente, nas pedras inertes, nas borboletas que sobrevoavam o córrego, nos pássaros que cantavam, no silêncio que pairava no ar (...)

"A ÁGUA QUE CORRE ENTRE AS PEDRAS" FAZ REFERÊNCIA AO TRECHO DO POEMA "QUEM ANDA NOS TRILHOS É TREM DE FERRO. SOU ÁGUA QUE CORRE ENTRE AS PEDRAS." DO POETA BRASILEIRO MANOEL DE BARROS (1916-2014), PUBLICADO NO LIVRO "MATÉRIA DE POESIA" EM 2001.

O TÍTULO "APRENDI O SEGREDO DA VIDA" E A FRASE "DESCOBRI O SEGREDO DA VIDA" FAZEM REFERÊNCIA À MÚSICA "MEDO DA CHUVA" DO CANTOR E COMPOSITOR BRASILEIRO RAUL SEIXAS (1945-1989), ESCRITA EM PARCERIA COM O POETA BRASILEIRO PAULO COELHO (1947), LANÇADA EM 1974, SENDO PARTE DO DISCO "GITA".