Números

O rádio-relógio soa pontualmente às seis e meia, fora de sintonia. Não escuto a habitual voz do locutor. Em seu lugar, um chiado estridente. Não recordo a freqüência, desligo o aparelho. O locutor não notará minha ausência nesta manhã, jamais participei de uma pesquisa de audiência. Levanto e abro a janela. Aceno para o zelador, que varre o pátio. Não lembro o seu nome e, provavelmente, ele não sabe o meu também: sou só o cara do cento e três.

Meu apartamento fica no décimo andar, em meio a tantos outros décimos andares desta cidade, por entre os quais mal posso ver o dia começar: o sol não nasce mais pra todos, me sobra esta luz cinza...

Hoje é dia 23. Passo a vida contando dias, controlando dívidas, pagando contas. Dos meus dias, sempre iguais, pouco tenho a dizer. Já não sei narrar histórias, já não sei imaginar. Sigo numerando páginas de um livro em branco. Não há nada pra contar...