PROSA POÉTICA DOS SENTIDOS

PROSA POÉTICA DOS SENTIDOS

Eu não tenho que reclamar. Eu não tenho que reclamar do que não possuo. Aquilo que foi sonho, já não é realidade. Aquilo que naufragou nas águas cinzas do algodão empoeirado, não irá imergir jamais em barco suntuoso.

Eu não tenho que reclamar. Eu não tenho que reclamar daquilo que não enxergo, mas que vejo de forma destorcida em meninos descalços e em homens desempregados. As mulheres! Ah! As mulheres! Essas continuam lutando como se a vida fosse somente guerra. Talvez elas sejam mais conscientes de que sonhos se esfumaçam em cigarros marrons feitos de papel barato. Talvez elas sejam mais conscientes de que armas não são só aquelas que disparam balas cor de prata, mas sim, as verdadeiras armas disparam palavras e atitudes que nublam a mais perfeita visão.

Eu não tenho que reclamar. Eu não tenho que reclamar daquilo que ouço e calo, pois no silêncio da resposta não dada, repousa a arma descarregada.

Eu não tenho que reclamar. Eu não tenho que reclamar daquilo que não posso tocar. Meu tato se dissipa em digitais de olhos amarelos e arregalados e de peles flácidas por falta de gordura, também amarela, da cor do sol. Sol que raia belo para alguns e que queima lascivo outros desavisados de que tudo é pesadelo e que sonhos desaparecem, antes mesmo que possam ser consolidados.

Eu não posso reclamar da falta de sonhos, nem do tato rude, nem do som rouco, nem do olhar nublado, nem da falta de posse. Eu não tenho que reclamar de nada, porque nada é tudo o que muitos possuem.

Alma Collins
Enviado por Alma Collins em 12/02/2008
Código do texto: T855795