Canção do aprendiz

CANÇÃO DO APRENDIZ

Quero ser um singelo fazedor de navios

Navios que se lancem sem medo do cais

Para afrontar o mar e os perigos que nele mora

Levando o porão abarrotado de esperança

E o convés repleto de homens livres.

Quero também ser um singelo fazedor de versos de paz

Dos quais os homens livres possam livremente apoderar

Para entoarem uníssonos uma canção primeira de amor

Que atravessará o ar, não rápido e traiçoeiro como a flecha

E sim lento, manso, amigo como a mansa pomba branca

Que alçará reto vôo em direção ao continente a anunciar

Que é chegada a inevitável hora de todos darmos as mãos

E construirmos juntos, não com o impreciso ar das palavras

Mas sim com a generosidade da alma, dos gestos e dos atos

Um mundo sem estampidos de armas e farpado dos arames

Sem as grades das janelas e sem os cadeados dos portões

Onde as portas amanhecerão abertas sem receio de ladrões

Com o direito de se caminhar de peito aberto o dia inteiro

Com o espírito desarmado da ignorância e da violência.

Quero também ser o mais singelo fazedor de manhãs

Um arquiteto menino de manhãs claras e dias límpidos

E de mesas fartas músicas, sorrisos, de pão e de sol

Do sol resplandecente que ilumina a face das crianças

E o pão que escorraça a sombra da tristeza e da fome

De manhãs suaves de cidades sem agito e correrias

De homens pacatos e simples que na trilha do trabalho

Estendem felizes a mão ao que passa e diz: Bom dia!

De manhãs amigas, casas caiadas, sem limite de muros

Dos cachorros esparramados dolentemente nas varandas

Manhãs plenas de alegria barulhenta e colorida de som

Tocada por orquestra de cigarras nas árvores dos quintais

Manhãs cheias da melodia da canção primeira de amor

Entoada pelos homens livres do convés de meus navios.