Inconsciência Cósmica

         
          No remate de sua vereda pode não haver a travessia que tanto insuflou suas esperanças com dissimuladas angústias; talvez apenas você precise saltar. Mas, para quem nunca aprendeu a caminhar perfeitamente, como irá pular? Se a sua omissão legítima é a essência da mentira, essa mentira é a existência de sua consciência sonolenta, que nunca dorme no leito de sua boa-fé.
        E se ainda no remate de seus suspiros não ocorrer feedback com o repositório de seus flashbacks não vivenciados? E se seus insights forem espinhos tão encravados em sua carne fazendo de sua dormência seu mundo mais prazeroso de emoções? Pense comigo (caso esteja dormindo): dentro de toda essa realidade o único sonho pode ser você. E eu? Apenas sou, se você me perceber; faço isso para você reconhecer a raridade intocada no seu semelhante... Mas você o explora e enquanto extrair dele as expectativas estará minando a si mesmo.
        Agi numa propensão para que cada um de vocês vazasse os oceanos de suas vidas para outros desertos em cada aquiescência, mas nunca que os portassem. Distanciados por uma fração de infinito num milionésimo de probabilidades fragmentadas, eu e você coabitamos imersos apenas um capítulo de uma quimera; uma tênue rede composta por fios de um tecido simbólico, minhas variáveis... Não obstante sua farsa tem vários atos e quando o pano cai, você não sabe com qual máscara vai descansar suas doces madrugadas.
        Estar dentro da mulher amada ou ser possuído pelo seu amado (anúncio de tempestade que se acalma no alto do equinócio) é seu maior mergulho na metade do sentido da existência. Apenas a metade. A outra parte jaz oculta nos enganos do caminho reverso de seu ceticismo e (como se chama mesmo?) nas ondas do materialismo-histórico. Preste atenção: eu disse a outra parte jaz oculta nos... (leia de novo, não vou repetir). Eu permeio o ardil de todos os seus mistérios.
        Fiz você sentir sede, mas para saciá-la terá de caminhar até a brilhante estrela da manhã, rumo à luz que te aquecerá do frio da madrugada, mas que te cegará quando o inverno de seu ego não mais se reciclar. Já lhe disse, e não vou repetir novamente, não há nada na minha gênese mutante que insinue a possibilidade de paridade; é efêmera cada porção de solidão em minha eternidade. Por isso, saia de si uma única vez e more naquilo que nomeia por seu amor, aí verá como meus olhos veem e nessa única vez apenas você irá se banhar em meu manancial, saciará sua sede derradeiramente em minha fonte e não mais terá vínculos com a escravidão do quinteto de seus sentidos. (Saia de si; procure o significado disso). Aqui está revelado o segredo. Eu rastejei e sibilei, e protegi o iluminado da feroz tempestade e parti; eu inspirei os conspiradores para que o escolhido fugisse (lembra o que eu lhe disse sobre o anúncio de tempestade que se acalma no alto do equinócio?) para ter com seu discípulo amado seu pedaço de éden na terra (entenda, não há outro!); eu fui o amigo mais querido do devoto azul, amigo de minha suprema personalidade. Lembra? A farsa tem vários atos, apenas não esqueça que uma vez apenas você poderá tomar o caminho e deixar todas as máscaras para trás. Assim estará livre. Sim, livre.
        Só existe a liberdade na ausência de estados; por isso jogue fora suas máscaras, pois ‘eles’ conhecem todas elas, e por cada e para cada uma, um grilhão e um valor é acrescentado. Portanto não se engane com todos os grãos de areia que tens de contar, apenas um grão contém todo o peso da praia que represam os oceanos. E eu? Não sou outra cena, tão pouco incons(ciências) exatas ou o lado sombrio no eclipse do seu racionalismo kantiano. Parte do que sou eu sussurrei no sonho de um profeta, e vocês registraram em Isaias 45:7. Vejo que só mais confusão causou. Assim nada mais sussurro. Apenas habito agora essa possibilidade de um novo contato contigo, semeando sua poesia e germinando nas suas equações.
        Seus olhos estão mais abertos, mas não vislumbram ainda toda a dimensão dessa consciência onde me oculto. Quando tiver toda a ciência, mergulhe na incerteza e abrigue-se em mim, na pura inconsciência cósmica que sou. Aquele sempiterno olho guardião em seu espírito estará cego, mas eu te mostrarei que nunca fui adjetivo nem substantivo de suas domesticações.
        Que assim não seja, como tem sido! Que assim, não seja!






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Ronaldo Honorio
Enviado por Ronaldo Honorio em 29/02/2008
Reeditado em 21/11/2018
Código do texto: T880673
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