[A Doçura da Vida Sem Rumo]

Passa o cão.

É um cão assim, forte, destemido,

está sempre pronto ao sexo ou à luta,

não demonstra nenhum traço de carência,

tem a sadia massa corporal bem distribuída,

não é um belo animal, mas tampouco é feio.

Não escapa a um olhar arguto

que se trata de um cão sem rumo -

vive muito bem sem Deus,

não sabe de onde veio,

não sabe para onde vai,

não sabe por que aqui e não ali,

não sabe por que neste tempo e não em outro!

E mais: dá ares de não se importar com a metafísica,

ou com o absurdo de sua própria existência -

vive, nutre-se da própria falta de rumo!

Tem os olhos atentos aos detalhes da rua,

mas, como é próprio de um cão,

não se comove com tristezas,

desgraças não lhe ferem a sensibilidade,

endureceu-se na defesa contra os semelhantes;

alguns temem a vagueza do seu olhar - por que será?

E passa o cão.

Vai-se, imbuído em seus passos,

curte a desimportância dos olhares,

curte a doçura da vida sem rumo.

vai-se, apenas vai-se.

[Um alívio para aqueles a quem sua presença incomoda]

[Penas do Desterro, 02 de março de 2008]