EU SOU MULHER

EU SOU MULHER

Nasci com a fama de ser ingênua. Eis que a cobra sorrateiramente me convenceu a comer o fruto proibido. Oh! Cobra, porquê escutei teus versos doces como mel? Porquê não pude ter a noção do que era a verdade? Agora me aprisiono no sonho do príncipe que galopa em seu cavalo branco para me tirar da vida dura que a realidade feminina apresenta. Vem cavaleiro! Faz-me ter liberdade sem perder a feminilidade. Faz-me ganhar o pão sem receber em troca, a carência dos filhos. Faz-me perder em teus braços, para que eu esqueça a roupa e a louça suja que tenho que lavar. Mas aí, meu cavaleiro, eu vou estar tão cansada de trabalhar, cuidar dos filhos e da casa, que seus braços parecerão arame farpado, regados de olhos ávidos me vendo como sua, somente sua e, ao invés de nua, coberta com peles de urso que não fazem transparecer a carência de um mundo mais romântico e animalesco. Te aterrorizas com o animalesco? Pois nos diferenciamos dos animais porque dizem que pensamos, porque dizem que temos ideais e altruísmo. Mas é estranho. Os animais não matam por prazer. Os animais respeitam seus domínios e não roubam do vizinho a carne caçada. E por falar em carne, me olho no espelho e quero me achar bonita, ou quero que os outros me achem bonita? A carne. Aquela que os homens olham quando passam pelas calçadas-açougues. Nesta hora, quando o assobio sai da boca do homem faminto por carne, um quilo de coxão mole vale mais do que o corpo feminino.

Pois é cobra, te arrastas no chão e quer que eu também me arraste. Não cobra, apesar dos pesares. Eu sou mulher, digna de acolher o grão de vida em meu ventre. Sangro não de sofrimento, mas sim de amor à vida que não chegou a fecundar. Choro porque tenho a sensibilidade da flor rosada que é acariciada pelo vento. Pareço a árvore frágil que balança seus galhos, mas não se esqueça que me deram pouca água e minhas raízes tiveram que crescer na mais profunda terra para que pudesse beber do néctar da vida, por isso não te iludas, eu posso balançar os galhos, mas será difícil me arrancarem do solo.

Cobra, para que te falo? Tu não entenderias de qualidades natas. Nem tu, nem Adão, nem João, nem rei, nem plebeu. Me entender como mulher, só mesmo a fêmea leoa ou a gata dengosa que mostra seus olhos plácidos para as crias e suas garras aos predadores.

Eu sou mulher, só isso e nada mais. E precisa de mais?

Alma Collins
Enviado por Alma Collins em 07/03/2008
Código do texto: T891494