ÚLTIMA PROSA POÉTICA - FALTARAM-ME AS PALMAS

Que fosse da sombra

Que fosse sem lastro

Do fundo do gosto, sem teto nem encosto

Que fosse apenas para me agradar...

É...

Faltou a vida nas águas limpas, do terno em asseio

Do ar espesso donde eu espreito

A amar, a estar num bojo alado, num lado sacro.

Faltou-me a ausência. Sim, tive essência

Seu tema cheio, sua veia livre

Não tenho a lua a me espiar de dia

Sem vela acesa, sem ojeriza

Meu corpo pende, meu sopro rança.

Ó meu mais elaborado poema, ouça-me!

Sem ti, enovelar-me-ei nas amarguras retidas

Sofrerei por pestes adquiridas do mundo sápido

Dum ente esdrúxulo (que não primo em amar)

Não reluto em pousar sobre suas antenas.

Bastava-me o ócio! (ou o cio plangente)

A compor misérias sob tintas infames, ao pé da página

Pelo lado o qual brota o sol, no solstício inteiro

Em mês de Janeiro, em lua olvidada.

Traga-me o castiçal, quente e flácido

Ao léu mais vasto

Poeticamente, um relicário; meu crepúsculo

De história, de lindas e indoutas inglórias

A me ocultar no uivar das silabas, a me reverenciar...

Falta-me o capricho!

Deveria estar, inda agora, ao céu

Sob a escadaria do limo, sob o lume apagado

Pois sim, morreria feliz

Haveria de ser raiz a espreitar novos ramos, a exuberar noras infantes

Meus “eus” morreriam por tanto invejar

Por tanta cepa desperdiçada.

Inda assim, faltar-me-ia a ida

Aos meus calabouços partidos

Aos meus adeuses lapidados, aos meus nós...

Pobres avós de minhas palavras!

Por mais que tentasse na hora de hoje

Por mais que tivesse uma razão plausível

Não estaria eu a me acolchoar em tolices

Estaria de luto na tal escada... riria; ria você também!

Velando meu próprio corpo, pêndulo da desgraça.

Por não me ter tido um fã

Por lhe ter dado muitos fás ou rés

Mas, nenhum a ocultar mesmices

Mas, algum a me lambuzar de resquício

Por tolo ser...

Por ingênuo olhar e acreditar que, um dia, eu seria lido.

Ó mundo, mais uma vez, assaz bandido!

Não me negues as flores do sepulcro

Não me negues!

Pois haverei de ter com elas antes que o fogo me consuma

Antes que as pombas assumam todos os riscos de minha obra

O que, certa vez, seria papel merecido de alguma editora.

Movo meus mais incrédulos sentimentos

A me ladear na marcha

A me calcar macérrimos ‘las’, pois estarei em meio aos escombros

De minha obra, pobre, rota e ensangüentada

De meus sonhos de mancebo febril, marulhando neste Brasil

De poucas ceias, de letras murchas

Porém, retumbante e extasiado

Por ver sumir daqui, neste momento, um natimorto

Um cancro que surgiu ao morrer, morreu sem sentir

E amou sem medir, sem dar contar de que este amor era invisível

De que este sonho jazia desde a sua concepção.

Cesar Poletto
Enviado por Cesar Poletto em 14/03/2008
Reeditado em 23/04/2008
Código do texto: T901240
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.