LIBERDADE DE MENINO

O meu cavalo chama-se Berlinde. Tem uma sela de couro e rédeas de corda pintadas de amarelo. Os olhos dele são todos azuis e tem a boca aberta para respirar melhor. Foi-me oferecido pelo Natal, quando eu tinha cinco anos, por uns tios meus que tinham emigrado.

A surpresa foi tão grande, que os meus olhos cresceram, cresceram, e quase saltaram, primeiro que eu, para a sela do cavalo.

Quando me perguntaram que nome lhe ia eu dar, não sei bem porquê (ou eles é que nunca souberam), respondi de repente: Berlinde!

Desde então, toda a gente, lá em casa, pergunta "como está o teu Berlinde?", quando quer saber do meu cavalo.

Um dia, foi lá a casa um amigo meu, chamado Lúcio.

Entrou no meu quarto, viu o cavalo arrumado junto à janela, e perguntou-me:

- Ele come erva?

- Não, respondi-lhe. Só come bolos e laranjas, porque ele nasceu no Natal.

- Ah, disse ele. Não sabia.

Lembro-me duma história passada com o meu cavalo que quero contar.

Eu fazia grandes cavalgadas sobre o dorso branco do Berlinde. Viajava por estradas de terra batida, rodeadas de bonitas flores e regatos de água fresca.

Mas, um dia, fui mais longe e perdi-me no deserto. Deixei de ver as árvores, de ouvir os riachos e os passarinhos. Começou a fazer muito calor e tive sede. O cavalo também. Procurei água por todo o lado, mas não havia.

Já cansado, tentei imaginar-me junto dum rio, com o meu lindo cavalinho a pastar. Assim, eu podia procurar nas margens uma fonte e matar a sede. Foi então que caí do Berlinde abaixo, quando a minha mãe me chamou para ir almoçar. Mas foi uma queda pequena.

O meu cavalo ainda está arrumado no meu quarto, junto da janela. Mas eu já não sonho em cima dele, nem caio dele abaixo. Cresci, e ele não. E, se não fosse estar longe, hoje levava-o a passear, porque ele deve ter sede de ar fresco e, se calhar, até já gosta de erva. Ou talvez não...

Então, levava-lhe bolos e laranjas para comemorar com ele mais um aniversário.

@joaquim alves, 2008