Ausência

Há gestos espremidos, dores na (im)possibilidade. Fecham-se as portas da noite mas por alguma brecha passa o escuro. Segunda-feira. O peito arde do cigarro da insônia. Um carro uiva como um lobo. Um transeunte ataca como fera. Estou na cidade. O coração salta a cada buzina e estou procurando, por dentro, a organização do caos. Quem poderá me dizer onde deixei o que preciso? Revirei tudo e não acho. Espalhei os cinzeiros, levantei todos os móveis e só encontro o pó da dúvida. Onde deixei? Onde?

Algo dentro de mim está a ponto de explodir; é preciso achar. Tenho uma reserva pelos porões, ou estaria no sótão? Me confundo com o gosto do amargo e do café. E esses demônios ruidosos afrontam a letargia do meu barulho interno. Estou inquieta pela cidade. Queria uma pele de amora. O cheiro de um cavalo. Minha floresta. Precisava, nesse instante, ser égua selvagem correndo ao prazer do vento. Abocanhar uma fruta no pé. Ter a água cristalina da esperança. Gemer por cada poro. Mas não encontro. Não encontro seu êxtase nem o meu.

Essa atmosfera que me habita está corroendo meu interior quente. Minhas vísceras. Onde meu pantanal? Preciso das gotas de orvalho, do cheiro das ervas, da mata cerrada, quero habitar cana brava e chupar tamarindo. Esse vermelho-amarelo-verde está turvando meu olhar e só vejo vielas, aldeias sujas, barracas e gritos. Onde o orgasmo? Pássaro cantando, cigarra e cata-vento. Mas só templos e vergalhões. Só hidrantes, extintores, fumaça chegando nos últimos andares. Chove. Chuva. Chovo. Algo me ameaça e vou para dentro de mim: tempos de Maria Madalena. Tempos de amor antes do sangue.

Paro na esquina, ali devo encontrar em meio à multidão. Nenhuma pista. Deve estar em casa... tem que estar em casa... ou não.

Sampa, 17.03.2008

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