Rotineira

Ah, Antonio, não me culpe! Não me culpe por desvendá-lo. Estava bem ali, às minhas vistas. Queria comer-me? Desvendei-o. Não, Antonio, não! Isso de mordomos em libré com mãos encarquilhadas é de outra canção. Aqui falamos do raso, do rente, nada de profundo. Não quero saber das pirâmides, nem dos sóis do Japão. Você sabe, Antonio, que sou fragmentada em tantas e separo as partes para não me confundir. Aqui estou na zona. De risco. Não queira a apólice de seguros numa horas dessas, Antonio. Me poupe, pelo amor de Deus! Deusa? Sim, claro, sempre me rendo a ela, mas isso está aquém, percebe? Quer o verso intempestivo cheio de trelelê bem agora com o verbo desfalcado? Vai te catar, Antonio! Pegue seus óculos, um copo de uísque ou de saquê, café com leite, pouco se me dá, beije o seu neto e vá dormir, ler jornal, ou vá à puta que te pariu, mas não queira que eu aspire o ar da madrugada em plenas onze horas de uma manhã de segunda-feira. Eu amo as segundas-feiras e todos os dias, já falei, mas só depois das onze. Antes é madrugada e ainda estou nua. É, nua. Pelada, desfalcada de idéias. Não te contei porque fiquei morena? Ser loira é um estado de espírito e agora estou coesa. Morena. Readquiri a identidade. Não vão mais me olhar duas vezes quando mostrar o RG, passaporte. Vou pro norte. É, outra vez. Gosto de sol, Antonio, já te disse. Não me torra e não queira vir com essas passagens pela minha ilha. Lá você não entra mais. Por que? Me enchi de você. Essa coisa de misturar os plexos, amplexos, as loas, as boas, é medíocre. Você repetiu e se repetiu. Dublê. Que saco, Antonio! Tá bem, eu te amo, não nego, pode passar manteiga no meu pão.

Sampa, 17.03.2008

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