Esquizofrenia bonitinha

Eu "podia" estar matando, eu "podia" roubando, eu "podia" estar me prostituindo. Mas não. Estou aqui lutando incessantemente para transparecer um certo verniz de conhecimento e sofisticação, em nome do democrático ato de escrever o que quizer. E ouvir o que não quizer também. Afinal, este é um país democrático. Assim como democrática é a pobreza material e espiritual, que passa como um rolo compressor por sobre minha pretensiosa e precária inspiração.

Acho que assim, sou mais um técnico da organização das palavras, do que um escritor de verdade. A escrita demanda maturação de idéias, e eu gosto de atirá-las ainda verdes, porém sequenciadas, no rosto de meu interlocutor. Sou muito pouco delicado mesmo. Aliás, careço urgentemente da leveza e da sutileza daqueles em quem me inspiro. Mas então fico feliz por ser um bruto. Como o bruto Fabiano de Graciliano Ramos. Não que eu tenha alcançado a força rochosa do personagem, nem a genialidade do escritor. Sou apenas um atrevido que ousa insultar antes do primeiro tapa na cara. E quanta gente não leva tapa na cara de graça? Eu pelo menos tento dar motivos. Mas às vezes também me conformo com minha desimportância. Uma desimportância diante de tantos males e tantas gatunagens, tantos subterfúgios.

Um dia, me recusei veementemente a falar de nuvens fofinhas e sentimentos elevados. Preferi as prostitutas, os de alma aleijada e todo tipo de aberração que nos dão a medida da beleza. Preferi a repulsa. Por que? Não sei. Faço análise até hoje para descobrir isso. E também para tentar descobrir o por que da insistência neste ofício tão árido e ingrato. Se bem que não vivo disso, nem pretendo. Quando a literatura deixa de ser um insulto para ser ganha pão, perde-se a autenticidade. Ou pelo menos, um pouco da pungência.

Acho, e achar é desumano, que para tudo na vida, há um "fazedor". Eu diria que menos que escritor, sou um "fazedor de ascos". Sou como a barata. Mas não como a barata de Kafka. Sou como a barata vulgar que circula atônita por uma cozinha, fugindo desesperadamente do spray matador ou da vassoura histérica. Mas há um lado muito bom nisso. Eu, como as baratas, sou 80, pra cada uma que você vê. E não adianta usar veneno contra mim, nem me dar vassouradas, no melhor estilo Jânio Quadros, porque há muitos como eu, atuando no subsolo, insistindo em mostrar para todos, as merdas que estão escondidas.

Lamento profunda e sinceramente, que tenha de ser assim. Mas o que se há de fazer.... Baratas também são importantes para o equilíbrio do mundo. Mesmo que este mundo seja mais desequilibrado que uma passista bêbada.

Tudo isso posto, e não esperando qualquer simpatia do leitor (Quem terá simpatia por uma barata?),sinto que fico mais um pouco leve. Mas não ao ponto de ficar como as nuvens fofas do céu. É chato também, ter de ser eternamente trangressor. O ser humano é multifacetado, como um bloco de granito. Ou não, como diria Caetano Veloso.

E não espero compreensão. Nada é mais conveniente do que a compreensão com um sorriso bege no canto esquerdo da boca.

E agora que já canssei de falar, passar muito bem e obrigado pela leitura.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 17/03/2008
Código do texto: T904861