Surrupiava a voz do vento para imitar o jeito da noite falar (O decrépito que arrastava sua carcaça)

O decrépito arrastando sua carcaça,

Hoje não passa de uma ração carcomida, que alimenta o tempo

Um dia valeu de forças maiores, atribuídas de tal coragem.

Alimentava-se de veredas para desvendar sua eterna morada,

Seus constantes rodopios pelo espaço ao longo dos passos,

Bem criado, quando queria comer gritava a dona.

Surrupiava a voz do vento para imitar o jeito da noite falar,

E quando acordava e não via o sol rosnava como seu cão pulguento,

Cortava toras de madeiras que um dia vestidas de folhas serviram de sombras para

Os viajantes.

Deitava, e pelos furos nas telhas velhas via o céu carregado de pontos cintilantes,

Imaginava estar perto, mas quando sacudia a carcaça rolando pelo colchão de capim

Sabia que estava muito longe.

Empurrava os dias com as mãos calejadas, alimentava a criação e se nutria das cordas do velho relógio pendurado na parede suja de fumaça.

Guardava a palha, pois já sabia que ia chover.

E da janela cuspia pedaços de fumo que servia de consumo para as tardes sem rumo.

Montava em seu cavalo cinzento e galopava até não sentir mais lamento,

Abria a garrafa com o dente dava uma talagada e guardava o resto para outrora

Arrastava sua carcaça pela vastidão da terra altiplana, mas já sabia que a vida não era plana como o caminho que sempre seguiu, e quando reunia os mais jovens falava de tudo que lhe convinha.

Desde a labuta até a vinha, ensinava, respondia, lamentava e sabia que o fim um dia vinha.

E quando esse dia chegou, o povo chorou.

O decrépito abandonou sua carcaça

Já não mais respirava o ar da graça,

E no dia de seu enterro, ate seu cão pulguento.

Sentia tal sofrimento, latia com rouquidão.

Agora seu dono era parte de uma nova criação.

E na cruz cravejada na terra uma frase que dizia assim:

“Surrupiava a voz do vento para imitar o jeito da noite falar”

Rommyr Fonttoura
Enviado por Rommyr Fonttoura em 20/03/2008
Reeditado em 08/04/2008
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